Perdidos no espaço
por Lucas SalgadoCloverfield sempre foi uma franquia repleta de mistérios. O primeiro filme, de 2008, contou com uma campanha de divulgação cheia de segredos, que escondia muita coisa da história. Em 2016, com Rua Cloverfield, 10, o mistério ficou ainda maior, com o longa sendo anunciado apenas dois meses antes de seu lançamento. Chegamos então em 2018...
Ainda que já soubéssemos que um terceiro filme da série estava sendo produzido, e que a Netflix estava negociando com a Paramount para distribuir o mesmo, caiu como uma bomba a decisão da empresa de lançar The Cloverfield Paradox de surpresa no dia do Super Bowl, poucas horas após a divulgação do primeiro trailer.
Mas o que isso quer dizer? Significa que Cloverfield segue sendo um fenômeno de marketing e uma sensação no universa da cultura pop. O problema é que uma divulgação esperta não tem relação nenhuma com a qualidade do filme. Inicialmente vendido com o subtítulo "A Partícula de Deus", Paradox é - com folga - o pior de toda trilogia.
Se os dois primeiros longas traziam elementos extraterrestres para o planeta Terra, agora temos elementos terrestres em um cenário extraterrestre. Em The Cloverfield Paradox, um grupo de cientistas e astronautas deixa a Terra a bordo de uma estação espacial capaz de realizar importantes testes envolvendo aceleração de partículas. O time passa anos realizando tais teste, até que conseguem um resultado. O problema é que tal resultado implica no isolamento da estação em um espaço desconhecido, gerando uma série de imprevistos para o grupo.
É verdade que Cloverfield - Monstro e Rua Cloverfield, 10 são obras completamente diferentes, inclusive no formato. Não parecem parte da mesma franquia. Mas aqui a situação é ainda mais grave. Não fosse o título e uma referência aqui acolá, estaríamos diantes de uma ficção científica qualquer. Não há a surpresa e intensidade do primeiro, nem a tensão e desconfiança do segundo. A franquia quase que literalmente se perdeu no espaço.
Ao inserir um acelerador de partículas da história, o roteirista Oren Uziel (Anjos da Lei 2) aproveitou para jogar para o alto qualquer convenção que temos com relação ao cinema de ficção espacial, o que gera uma cena ou outra interessante, mas que acaba criando uma verdadeira bagunça. A direção pouco inspirada do nigeriano Julius Onah também não ajuda, criando cenas de ação confusas e repetitivas.
A palavra "confusão", por sinal, é boa para descrever inúmeros elementos da produção, como a montagem feita à seis mãos (Alan Baumgarten, Matt Evans e Rebecca Valente). Ao mesclar cenas na estação espacial e outras na Terra, acompanhando o marido de uma das pessoas no espaço, o longa pouco desenvolve as duas histórias, não conseguindo interessar ao público.
Repleto de diálogos repetitivos, o roteiro não ajuda o elenco do filme, que é formado por atores realmente competentes, como Gugu Mbatha-Raw, David Oyelowo, Daniel Brühl, Ziyi Zhang e, até mesmo, Chris O'Dowd. Sem alma e sem inspiração, o longa não consegue cativar nem mesmo inserindo uma protagonista traumatizada pela perda de um filho. Se lembrarmos do impacto de A Chegada diante da mesma temática, o filme perde ainda mais pontos.
The Cloverfield Paradox colabora muito pouco para a saga. A vantagem que é a franquia se notabilizou por fazer obras que ignoram o que veio antes. Assim, podemos todos seguir em frente e fingir que este não aconteceu.