Os decadentes
por Bruno CarmeloA equipe e o elenco envolvidos neste filme sugeriam desde o princípio um conteúdo altamente subversivo e underground: o diretor é Paul Schrader, de Gigolô Americano, com roteiro de Bret Easton Ellis, autor de Psicopata Americano. No elenco estão a polêmica Lindsay Lohan e o ator pornô James Deen, em uma trama sobre a hipocrisia do mundo do entretenimento. Antes mesmo de o filme ser concluído, surgiram na mídia informações sobre a dificuldade de financiamento – provavelmente porque o tema era pesado demais, especularam alguns – e sobre o comportamento insuportável de Lohan durante as filmagens, sobretudo nas cenas envolvendo nudez.
Com tamanha campanha de marketing, o resultado de The Canyons é decepcionante. Não tanto pelo aspecto tosco da sua produção, algo que poderia ser previsto, mas pela aparência ingênua, comportada e asséptica do conjunto. A trama gira em torno de dois casais, e se desenvolve com a inversão dos elementos: a garota de um casal tem sentimentos pelo namorado da outra, e vice-versa. Metade da narrativa é gasta em discussões sobre ciúmes: “Você passou a tarde com ela?” “Eu vi o jeito como ele te olhava!” “Você ainda me ama?”. Neste momento, o filme lembra muito a estrutura de telenovelas, com núcleos girando em torno do amor e da paixão (quem ama quem, mas trai com quem). Já as raras cenas de sexo fazem o possível para esconder a nudez.
E os cânions, e a crítica à Hollywood? Talvez por não dispor de muito dinheiro, a produção jamais mostra o filme dentro do filme no qual trabalham o produtor Christian (James Deen) e coprodutora Tara (Lindsay Lohan). As manipulações e jogos de intriga no sistema de estúdios são apenas sugeridos em diálogos. Essas pessoas ricas e vazias raramente saem de suas mansões, não pisam em festas, estúdios ou reuniões, e por isso nunca simbolizam toda a indústria cinematográfica – afinal, eles sequer têm contatos com o mundo do cinema. Esse é um problema central no filme: querer falar, com grande seriedade, sobre todo um sistema, com personagens que não conseguem representar nada além de si mesmos.
As atuações e a direção são um capítulo à parte. Lohan, com o rosto deformado pelas cirurgias estéticas e pelos efeitos prolongados das drogas, tenta usar sua aparência decadente ao seu favor, já Deen abusa das expressões do pornô para compor a canastrice de um homem supostamente frio e manipulador. A direção, ao invés de usar o estilo precário como efeito estético, tenta adotar o padrão clássico do “bom gosto” hollywoodiano, com planos e contra-planos e uso inverossímil de som – quando dois personagens conversam em uma praça ao ar livre, ouvimos apenas as falas dos dois, sem nenhum ruído ao redor. Ora, como criticar o sistema adotando as mesmas ferramentas do sistema criticado?
Talvez por isso, The Canyons não convença como produção subversiva, e muito menos como drama clássico. Schrader leva-se muito a sério, como se quisesse ser adotado pelos estúdios novamente, mostrando que é bom artesão e sabe fazer o bê-a-bá. Mas aí transparece um problema grave do filme: ao invés de ter orgulho de sua precariedade, a exemplo das grandes produções marginais, ele parece constrangido por sua simplicidade. Pelo menos, The Canyons tem o mérito de transparecer a decadência e o desespero de um pequeno grupo de pessoas expulsas da grande máquina do cinema comercial, lutando para serem aceitas novamente, seja pela força, seja pela prova de redenção.