Carnaval submarino
por Francisco RussoQuando o boom dos filmes de super-heróis teve início, lá no fim dos anos 1990, uma preocupação geral era em como personagens consagrados seriam personificados fora das páginas 2D de uma HQ, mantendo uma coesão estética em um ambiente tão distinto quanto os live-actions. O primeiro X-Men logo enfrentou tal situação, abdicando das roupas tradicionais em detrimento de uniformes pretos de couro, bem mais antenados com o período. O mesmo aconteceu nos filmes seguintes, mesmo nos casos de trajes icônicos que não podiam ser ignorados, como do Homem-Aranha. A proposta, sempre, era torná-los menos histriônicos em relação a tudo que estava ao redor.
Com Aquaman, James Wan manda esta regra implícita às favas. A bem da verdade, também toda a coesão estética do Universo DC até então. Como um autêntico carnavalesco, o diretor abraça o colorido sem pensar duas vezes ao construir um universo bem particular, não só apresentando a diversidade de reinos e espécies no fundo do mar como, também, algumas apostas visuais que beiram o kitsch, especialmente em relação às naves. Em alguns casos, lembrando bastante alegorias de escola de samba.
Isto, é claro, foi uma decisão consciente de Wan e sua equipe, que optaram pelo excesso visual de forma a ressaltar uniformes e afins. Na árdua tarefa de construir um filme-solo que seja ao mesmo tempo origem e consequência em relação a Liga da Justiça, explorando o carisma e o físico de Jason Momoa não apenas em cenas de ação mas também em momentos cômicos e até mesmo românticos, Wan entrega um filme que ainda apresenta um pouco da política existente no reino submarino, em seus variados reinos e espécies - mesmo que esta quase sempre seja reduzida a uma mera convocação de guerra. Há muito a dizer em Aquaman, e a necessidade de abarcar tantos assuntos e variações nem sempre é conduzida de forma orgânica.
A começar pelo prelúdio bastante brusco, que apresenta os pais do herói-título. Se Nicole Kidman chama a atenção em uma boa cena de ação com muito CGI, onde o destaque maior fica pela variedade de posicionamento da câmera, a unidade narrativa do longa-metragem é seriamente comprometida pelas variações de tom que surgem a seguir, especialmente na esquizofrênica trilha sonora. Como se setorizado fosse, Aquaman salta de filme de ação para comédia e, logo a seguir, comédia romântica, apresentando características próprias de cada gênero que são completamente ignoradas, antes ou depois. É como se o filme separasse trechos e nele reunisse tudo que fosse relacionado ao tema, mesmo que tal acúmulo soe estranho em relação ao todo.
Se em relação à estrutura narrativa e à estética Aquaman é bem contestável, há também pontos positivos no filme. Um deles é a construção do vilão Manta Negra (Yahya Abdul-Mateen II, correto), bem fundamentada com um background familiar, por mais que seja bastante questionável o fato do único negro no filme ser um vilão. Como esperado, Momoa traz ao herói um ar badass bem empregado, especialmente nas poucas cenas ao lado do pai e também em relação ao subtexto preconceituoso, envolvendo o reino submarino. Há também uma variada fauna marinha bem interessante, apesar do exagero nas cores, e sequências de ação razoaveis, especialmente no trecho situado na Sicília. A boa sacada das cenas no aquário e no deserto do Saara também merecem menção, assim como as brincadeiras que James Wan faz com a versão em animação do Aquaman, ressuscitando não só as ondas sonoras com as quais se comunica com os animais marinhos mas também a clássica montaria em um cavalo-marinho. Os fãs saudosistas vão curtir, com certeza.
Por outro lado, há também um punhado de atores subaproveitados ou que exalam canastrice pura. É o caso do caricato vilão de Patrick Wilson, de uma obviedade irritante, ou mesmo de Willem Dafoe, absolutamente desperdiçado em cena - e cujos efeitos especiais de rejuvenescimento são bem questionávies. Amber Heard em vários momentos ressalta suas deficiências, mesmo ao lado de um ator que está longe de ser uma sumidade, como Momoa.
No fim das contas, Aquaman é um filme B turbinado por muitos milhões de orçamento e um super-herói conhecido como astro principal. Fiel à proposta narrativa do "mais é melhor" que tem norteado o atual Universo DC, como se falar de tudo ao mesmo tempo agora fosse a única opção possível, o filme por vezes torna-se cansativo e excessivo - não só visualmente, mas também em duração. Por outro lado, aponta uma ruptura intensa com tudo que foi feito até então, reflexo também da atual bagunça existente em relação ao futuro dos heróis da DC nas telonas. Se Wan deu a Aquaman uma identidade própria, difícil será fazer com que ela se conecte com o restante da Liga da Justiça - mas esse é um problema a ser resolvido nos próximos anos, não agora.