Quem criou os criadores?
por Bruno CarmeloA franquia Alien acaba de sofrer uma forte mudança, mais uma vez. É curioso como a saga iniciada por Ridley Scott se desenvolveu através da negação sistemática da lógica reinante nos filmes anteriores: o minimalismo de Alien, o 8º Passageiro foi substituído pelo espetáculo de Aliens, o Resgate, abandonado por sua vez em detrimento da tensão sexual de Alien 3. Quando se acreditava na conclusão da história em forma de trilogia, ressuscita-se a protagonista para um quarto filme. O volume seguinte, Prometheus, retorna no tempo para imaginar o que haveria antes de toda a trama. Agora, a sequência do prequel rompe com os elementos de seu antecessor.
Alien: Covenant mostra os exploradores da nave homônima transportando duas mil pessoas encarregadas de colonizarem um novo planeta. No caminho, descobrem outro planeta mais próximo, de onde estaria vindo um sinal humano. O grupo do capitão Oram (Billy Crudup) decide visitar o local, o mesmo descoberto por Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) dez anos atrás a bordo do Prometheus. O ambiente proporciona condições ideais para a reprodução da vida humana, se não fosse pela presença de alienígenas que atacam a tripulação. Com a ajuda dos androides Walter e David (ambos interpretados por Michael Fassbender), Daniels (Katherine Waterston) e seus colegas tentam escapar vivos.
É um alívio perceber que esta produção corrige os pontos mais fracos de Prometheus – um filme que dividiu os críticos, inclusive dentro da redação do AdoroCinema – embora ambos sejam desenvolvidos pelo mesmo diretor. A trama anterior partia do questionamento “De onde viemos?” por um viés metafísico e abstrato. A questão dos supostos “engenheiros”, precursores da raça humana, era apenas parcialmente esclarecida, enquanto símbolos ritualísticos se acumulavam sem desenvolvimento. Agora, o tom new age é substituído por uma abordagem pragmática, biológica. Covenant quer saber de onde viemos, mas acima de tudo, deseja compreender quem criou os criadores. Este questionamento, presente desde a cena inicial, remonta à origem do universo.
Segue-se um estudo orgânico e fatual, munido por imagens palpáveis como o inesperado plantio de trigo num planeta extraterrestre. O transporte de milhares de casais para procriarem em um novo planeta reforça a vertente mais cientificamente plausível do novo filme. Até a famosa irrupção do alien é ornada por uma placenta, assemelhando-se ao nascimento humano. Covenant investiga as relações cíclicas de vida e morte, questionando até que ponto a inteligência da criatura pode se virar contra o criador. Paralelamente, a relação com a religiosidade torna-se terrena, próxima ao cristianismo ocidental: enquanto a tripulação discute a fé católica, Ridley Scott oferece uma metáfora visualmente poderosa das pragas bíblicas.
Outra evolução notável em relação a Prometheus diz respeito à estrutura do roteiro e ao desenvolvimento de personagens. O incômodo maniqueísmo da produção anterior desaparece: a produção de 2017 não traz nenhuma figura tão pura quanto Elizabeth Shaw, nem tirânica como Meredith Vickers (Charlize Theron). Mesmo os robôs ganham uma profundidade psicológica notável, na pele do sempre competente Michael Fassbender. Enquanto a aventura anterior construía sugestões ambíguas durante 1h15 para então entregar todos os seus conflitos de uma vez só, esta narrativa distribui de modo equilibrado as suas cenas, garantido melhor ritmo. Por volta do terceiro ato, infelizmente, Scott abraça a pirotecnia das sequências de ação, sinal de que o cinema-espetáculo prevaleceu em relação ao poder sugestivo de 8º Passageiro. Mesmo assim, o frenesi do clímax funciona dentro da lógica da trama.
Acima de tudo, o novo projeto avança em seu questionamento sobre a natureza humana, apresentando efeitos colaterais inéditos de nossa ação invasiva e de nossas brigas interpessoais. Este sempre foi, afinal, um raro fio comum da série: os alienígenas sobrevivem devido à ganância, incompetência ou traição dos humanos, permitindo que o invasor escape e se reproduza. Desde O 8º Passageiro, a culpa sempre foi nossa. Agora, Scott encontra uma nova maneira pela qual os humanos expõem a sua própria espécie ao risco de extinção.
Em outras palavras, Alien: Covenant se desenvolve sem se repetir, apresentando novos rumos à narrativa e resgatando marcos fundamentais da saga. O projeto ainda sofre dos males comuns ao gigantismo dos blockbusters: excesso de efeitos digitais, conveniências do roteiro (o personagem que se separa do grupo sem motivo, apenas para ser atacado) multiplicação de alienígenas como se o número maior de ameaças implicasse num acréscimo de medo. Ora, qualquer espectador que tenha visto a obra original deve se lembrar da alta tensão produzida por um único xenomorph. As novas protagonistas femininas tampouco conseguem reproduzir a importância da primeira heroína da série: nem Daniels nem Elizabeth chegam perto da complexidade de Ellen Ripley (Sigourney Weaver).
Mesmo assim, determinadas cenas são criadas no intuito evidente de honrar o primeiro filme e respeitar uma lógica descaracterizada ao longo de 40 anos de saga. Scott não atinge a ambição narrativa nem estética de sua obra-prima, talvez porque um filme como o primeiro Alien não tenha mais sentido no horizonte do cinema contemporâneo. Mas é possível vislumbrar uma associação com o que viria a ser o 8º Passageiro. Estamos perto de unir as pontas da franquia, para descobrir de que maneira o cinema ultra contemporâneo e endinheirado de 2017, destinado a retratar o passado cronológico da série, vai se unir com o futuro retrô iniciado em 1979 por Ellen Ripley e demais tripulantes da nave Nostromo.