Não ofende
por Renato HermsdorffPraticamente todo filmado com computação gráfica (CGI), Deuses do Egito é um épico baseado nos arquétipos da mitologia... egípcia, centrado na luta do bem contra o mal, recheado de cenas de ação e conduzido por um elenco “da moda”. Não é exatamente original, mas apoiado em uma história convincente, cujo maior mérito é não ofender a inteligência do espectador (desde que você não se incomode com frases do tipo “volte para o buraco de onde veio, seu verme asqueroso”).
Dirigido pelo egípcio-australiano Alex Proyas (O Corvo), o longa conta a história da sucessão do trono dos deuses na Terra. O Deus Osiris (Bryan Brown) está prestes a coroar (numa cerimônia em que os personagens são anunciados tal qual no baile da Cinderela) o filho, Horus (Nikolaj Coster-Waldau), Deus dos Céus; até que é afrontado pelo irmão, Set (Gerard Butler, Deus do Deserto), que o assassina, rouba os olhos do sobrinho (e, consequentemente, a força do personagem) e assume o trono à revelia, condenando o Egito a uma administração megalômana, fundada na escravidão dos homens.
Para reverter essa situação, Horus vai contar com a ajuda de um mortal, o escorregadio ladrão Bek (Brenton Thwaites), que faz um pacto com o deus para trazer de volta a amada. E você sabe onde essa história vai parar.
Até “parar”, no entanto, tome chroma key – que ora funciona bem, ora soa risível –, em uma produção esteticamente cafona como um folhetim da Globo (Caminho das Índias?) – mas muito mais caprichada do que os produtos da emissora concorrente. A estrutura novelesca do roteiro (assinado por Matt Sazama e Burk Sharpless, de Drácula - A História Nunca Contada), porém, não engana o espectador e, apesar de o texto caber dentro da formulinha básica de Hollywood, conta uma história redonda com início, meio e fim (acredite, isso é um mérito).
Sem entrar na discussão ética do “elenco branco” (em terras egípcias), Coster-Waldau encara um personagem cuja pretensa dubiedade, assim como o seu Jamie Lannister de Game of Thrones, é a principal característica; a Thwaites, de O Doador de Memórias e Malévola (já já em Piratas do Caribe 5) cabe o papel de “aquele com quem o público vai se identificar”; e Butler faz cara de 300 boa parte da projeção. Com tanto CGI, a participação dos atores quase que poderia ser dispensada e, mesmo que ninguém aqui esteja visando a um Oscar, Chadwick Boseman (futuro Pantera Negra) se destaca negativamente como o Deus da Sabedoria Thoth, num registro tão afetado quanto estranho.
Apesar do maniqueísmo, do elenco previsível, da falta de originalidade, dos problemas de CGI e (ufa) da luta final interminável (pense em Deuses Transformers), Gods of Egypt (no original) consegue passar o recado, transmitir uma mensagem edificante a favor da tolerância e união dos povos, mesmo que por “povos” estejamos falando de divindades e mortais (uma metáfora mais tocante do que a de Os Dez Mandamentos, diga-se).