Se você nunca viu um filme realizado na Arábia Saudita, você não é o único. O Sonho de Wadjda é oficialmente o primeiro filme produzido no país. E também o primeiro filme de sua diretora, o que torna ainda mais impressionante a qualidade e o talento demonstrado por todos envolvidos. Além de sua inegável capacidade de dirigir o elenco e conduzir a narrativa em termos estritamente cinematográficos, todos os atores - nenhum deles profissional - estão muito bem, com destaque para os meninos que interpretam Wadjda e Abdullah.
O sonho de Wadjda do título é simples e banal para qualquer criança ocidental de sua idade. Mas Wadjda não pode realizá-lo não por questões financeiras, o que seria mais compreensível em um país de Terceiro Mundo, mas por questões religiosas e culturais da sociedade onde ela vive. A menina Wadjda, com sua determinação e desprezo pelas regras do mundo adulto que ela ainda não compreende, acaba influenciando a própria mãe, e representa a esperança de mudança numa sociedade engessada por rigorosos preceitos morais e religiosos. Sua inteligência e esperteza acabam por levá-la a subverter a ordem das coisas movida pela esperança ingênua de ver apenas o seu sonho ser realizado.
A diretora e também roteirista al-Mansour a partir deste impasse dramático aparentemente singelo, consegue traçar um panorama mais amplo da situação da mulher na opressora sociedade árabe, mas sem nunca perder o foco na narrativa, impedindo que o filme se torne uma espécie de manifesto feminista. Mas o resultado final, obviamente, não teria a qualidade que tem se ela não houvesse encontrado a menina ideal para viver o papel título.
O Sonho de Wadjda é daqueles filmes que nos encantam por sua extrema simplicidade, que nos cativam e até emocionam pela forma honesta, talentosa e competente com que foi realizado - qualidades surpreendentes para um primeiro filme, tanto do país quanto de sua realizadora. Com elementos que lembram, na narrativa, o cinema neorealista da Itália do pós-guerra, aliado a uma singela poesia incidental presente nos filmes de Vittorio de Sica, este primeiro filme da Arábia Saudita é um triunfo da simplicidade e uma grata surpresa vinda de um país sem qualquer tradição ou experiência no mundo do cinema.