Há vezes em que uma obra não precisa ser necessariamente compreendida para que sua intenção seja claramente percebida. Em Adeus à Linguagem, há uma complexa mistura de sons e imagens, distorcidos e muitas vezes alterados, mas que não atrapalham sob nenhuma circunstância a história humilde e sutil que Godard quer transmitir ao seu público, cheia de momentos triunfais. É raríssimo ver Godard fazendo filmes atualmente, e mesmo assim, quando surge uma verdadeira obra como esta, uma rara oportunidade de rever o cineasta que na década de 60 renovou o mundo cinematográfico com a nouvelle vague ao lado de Alain Resnais e François Truffaut, o circuito brasileiro o exclui, e sua distribuidora adia a estreia de sua mais nova obra, e isso torna mais difícil o encontro de Adeus à Linguagem em outros meios.
Felizmente, tive a maravilhosa chance de assistir Adeus à Linguagem. Neste filme, Godard realiza uma experiência rara e emotiva em sua carreira. Abandonando suas técnicas mais usuais, Godard, como já foi citado, faz um particular alinhamento de sons e imagens, algo que me despertou uma intensa curiosidade em assisti-lo, logo pelo trailer. Este é um filme de uma compreensão leve, por conta dessa estrutura experimental e incomum presente nele, e por isso, muitas pessoas poderão não entendê-lo. Pois é. Este é um filme que não é feito para o entendimento, e apenas para a apreciação dos elementos. Quem conhece Godard, sabe que ele é capaz de tudo, até mesmo de Adeus à Linguagem.
Com um elenco pequeno, que inclui um cachorro, Adeus à Linguagem narra a história de uma mulher e um homem, que não falam a mesma língua, e isso causa um intenso desconforto em sua relação. Um cachorro é o símbolo dessa relação: a constante ausência de comunicação. Algo bem interessante que merece ser visto aqui são as citações á guerra nos minutos iniciais, um assunto do qual Godard parece estar fascinado, há muito tempo, o que pode ser percebido em alguns de seus filmes anteriores, como Elogio ao Amor e Nossa Canção.
Diferentemente desses dois filmes, Godard é único em Adeus à Linguagem, reconstrói um gênero incomum. Para alguém que foi vaiado diversas vezes por filmes pequenos, Adeus à Linguagem é uma vitória digna e merecida. De fato, este filme também é pequeno. Tão pequeno que além de curto, até uma câmera de celular é usada diante de uma cena. Mas é em sua pequenez e simplicidade que encontra-se sua importância e singularidade. Godard, um dos nossos professores cinematográficos mais talentosos nos ensina os valores da comunicação, e depois, a falta dela, em alguns dos ângulos mais primitivos: de sonhos peculiares até as situações reais onde ela é mais precisa. Em Adeus à Linguagem a comunicação é visual. Por essa razão, sua compreensão é fraquíssima. Através desse conteúdo visual belíssimo e poético, Godard nos introduz a uma de suas melhores películas: quer nos fazer entender o inexistente. Como isso é possível? Apenas a magia surpreendente e brilhante de Godard consegue construir tais truques, tão encantadores a ponto de serem inevitavelmente memoráveis, e que comprovam que sua maestria continua intacta.