Se a personagem principal do filme “Blue Jasmine”, dirigido e escrito por Woody Allen, fosse brasileira, com certeza ela teria uma trilha sonora perfeita na música “Pobre Menina Rica”, de Carlos Lyra. “Eu acho que quem me vê, crê que eu sou feliz, feliz só porque tenho tudo quanto existe para não ser infeliz”. De uma certa maneira, existe uma melancolia por trás desses versos, porque fica subentendido que a felicidade está ligada ao fato da pessoa ter posses, mas nem sempre isso acontece.
Na medida em que a trama de “Blue Jasmine” avança, percebemos que esse é justamente o caso da personagem principal (Cate Blanchett). Para todos, ela tinha uma vida perfeita, inserida na alta sociedade de Nova York, com uma existência repleta de luxos e de viagens ao lado do marido Hal (Alec Baldwin). Entretanto, quando o seu marido é preso por causa de um escândalo financeiro, a vida de Jasmine dá uma guinada de 360 graus.
A jornada de Jasmine, no decorrer do filme, na realidade, é uma tentativa que o roteiro de Woody Allen faz de mostrar uma personagem tentando se reerguer logo após viver aquele que, provavelmente, foi o maior revés de sua vida. Já que Jasmine tem uma nova vida para se readptar, longe de tudo aquilo que ela conhecia, nada mais ideal do que colocá-la num ambiente que é completamente inóspito para ela, na medida em que ela passa a viver uma vida mais modesta ao lado da irmã Ginger (Sally Hawkins), na cidade de San Francisco.
As diferenças culturais, econômicas, de pensamento, de prioridades e, principalmente, de personalidades entre as duas irmãs é que faz de “Blue Jasmine” um filme interessantíssimo. Por meio da interação entre as personagens interpretadas por Cate Blanchett e Sally Hawkins, por meio do relacionamento que se estabelece entre Jasmine e as pessoas que fazem parte do mundo de Ginger (com destaque para Chili, o namorado canastrão dela, interpretado com competência por Bobby Cannavale), fica ainda mais nítido a derrocada da personagem principal (ainda mais quando confrontada com as cenas de flashback, que mostram momentos da vida prévia de Jasmine) e isso é um subsídio muito importante para compreendermos a personagem interpretada por Cate Blanchett.
Por falar na atriz australiana, é importante mencionar que a personagem principal de “Blue Jasmine” é o primeiro papel importante que ela interpreta após uma pausa de cinco anos na carreira, em que ela, além de se dedicar à família, dividiu com o marido a administração de um teatro em Sydney. Após assistirmos ao filme, fica fácil compreender o por quê da volta de Cate Blanchett. Não é só o fato de poder trabalhar com um diretor e roteirista como Woody Allen, mas também a questão de poder fazer uma parceria profissional com ele num roteiro inspiradíssimo, com muito senso de humor e frases de efeito. Blanchett está em quase todas as cenas do filme e ela conseguiu captar e transmitir para a plateia o grande conflito de Jasmine: uma mulher que vive em completo estado de negação, em relação a tudo que a envolve. A realidade é que Jasmine parece estar num estado permanente de choque. E, enquanto não sair disso, fica aquela sensação de que ela nunca irá retomar a sua vida. Talvez, por isso, por esses detalhes pequenos, mas que fazem a diferença, que ela esteja sendo considerada como a grande favorita ao Oscar 2014 de Melhor Atriz.