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    Amigos para Sempre
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Amigos para Sempre

    Igual, mas bem diferente

    por Renato Furtado

    Apesar de sua evidente irreverência, o homem que está ao volante, cruzando as ruas da cidade de Nova Iorque como um raio para despistar a polícia, é praticamente um desconhecido. Seu rosto, é claro, é mais do que familiar, assim como sua identidade nas telonas, anteriormente assumida pelo astro francês Omar Sy. Bastam alguns minutos, no entanto, para que o misterioso condutor revele, por meio de sua inconfundível risada, ser Kevin Hart, o protagonista de Amigos para Sempre.

    A “confusão” é causada por dois fatores, os dois elementos que, aliás, fazem deste filme de Neil Burger (Sem Limites) um remake cuja natureza é fundamentalmente distinta da do longa original, Intocáveis: o fato de que Amigos para Sempre opera com somente um personagem principal ao invés de equilibrar o foco entre o cuidado e o milionário; e de que Hart, popular comediante, notório por seu estilo histriônico de humor, entrega a performance mais comedida e dramática de sua carreira.

    Em outras palavras, isto quer dizer que esta refilmagem adiciona e subtrai detalhes substanciais da produção original francesa, de modo a melhor adaptar a narrativa ao contexto estadunidense — mas sem, é claro, perder a essência da história real que inspirou o sucesso dirigido por Olivier Nakache e Éric Toledano. Para os "puristas", portanto, que buscam uma reprodução exata de Intocáveis, Amigos para Sempre poderá soar como uma espécie de traição.

    Ainda, tentar equilibrar tantos objetivos conflitantes em um só projeto — ou seja, reter o espírito das comédias dramáticas francesas e agradar ao público dos Estados Unidos — não é exatamente uma missão na qual Burger e cia. têm êxito. De certo modo, consequentemente Amigos para Sempre é um filme que falha como remake. Mas, por outro lado, ao se apresentar como um produto hollywoodiano eficiente e funcional, ainda que previsível, o longa encontra espaço para explorar o melhor de seus astros.

    Como protagonista, Hart, na pele do ex-presidiário Dell — um homem que não consegue acertar na vida e que perdeu a confiança da ex-mulher e de seu filho após sucessivos equívocos —, tem a chance de exercitar outros músculos cênicos. Ao diminuir o volume de sua histeria, o ator demonstra uma versatilidade interessante e prova que também pode encantar pela via do drama. Apesar de eventualmente recorrer ao seu lado mais conhecido pelo grande público, o ator introduz uma faceta inédita de seu claro talento.

    A contraparte do comediante, que assume o posto de coadjuvante de luxo/antagonista/mentor em Amigos para Sempre, é um dos mais competentes atores da atualidade: Bryan Cranston. Apesar do eterno Walter White de Breaking Bad não transitar em um território necessariamente novo, repetindo traços de alguns de seus personagens mais aclamados, é sempre um deleite assistir ao trabalho do premiado intérprete, que parece ter sido o parceiro de cena ideal para desafiar Hart, colocando-o fora de sua zona de conforto.

    Assim, o grande mérito desta comédia dramática é exatamente investir ao máximo na improvável e deliciosa química desenvolvida entre as duas estrelas. Extraindo o máximo dos bons diálogos e protagonizando sequências verdadeiramente hilárias — todas as cenas em que Dell precisa lidar com a tetraplegia de Philip são exibidas através de um prisma tragicômico, como em Intocáveis —, a dupla ultrapassa a estrutura esquemática e formulaica do longa e eleva o resultado final como um todo.

    Mas o que faz Amigos para Sempre funcionar — o roteiro milimetricamente calculado, que traz as reviravoltas nos instantes corretos, um arco de personagens positivo e inspirador, e uma dupla tão boa quanto a dobradinha Omar Sy/François Cluzet — também, como de costume em Hollywood, é o que faz o longa ficar aquém de seu potencial. Por mais que a obra não objetive tecer comentários sociais e/ou políticos, o claro choque entre as realidades diametralmente opostas de Dell e Philip jamais é explorado.

    Infelizmente, não há um pensamento crítico, por exemplo, sobre o contraste entre os lados antagônicos da cidade de Nova Iorque — as lanchonetes de bairro e as festas de gala, o basquete das quadras públicas e a elegância das óperas —, assim como não há um grama de reflexão sobre nenhuma das mazelas que assolam a população negra nos Estados Unidos, como o encarceramento em massa, a sedução exercida pela criminalidade e as precárias condições de vida.

    Outra falta é o subaproveitamento de Nicole Kidman. É impressionante, de fato, como uma atriz do calibre e da envergadura da estrela de Big Little Lies, para mencionar um de seus mais recentes sucessos, assume um papel de mero interesse amoroso. Yvonne, sua personagem, não tem função narrativa suficiente para exercer tamanha influência ou apresentar tamanho destaque. Sem um arco definido, a assistente de Philip é mais uma mulher que gira em torno dos homens em Hollywood — um desperdício, em suma.

    Apoiado por uma fotografia que ocasionalmente se liberta do didatismo hollywoodiano para assumir uma movimentação mais fluida, poética e flutuante — flashbacks e pontos de vista dos personagens são tratados com um cuidado estético mais apurado e interessante, no estilo de Julian Schnabel —, Amigos para Sempre não é memorável, mas é sim uma tradução fortuita, competente e envolvente. Mesmo que, como em toda tradução, alguns aspectos e qualidades do material original se percam no processo.

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