Trapaça é Uma Verdadeira Trapaça
Desde que dirigiu O Vencedor David O. Russel se tornou o queridinho da Academia. Seus últimos três filmes (incluindo Trapaça) conseguiram vinte e seis indicações ao Oscar, entre essas três de Melhor Filme, três de Melhor Diretor e onze para seu elenco, tendo ganhado três Oscars (Ator e Atriz Coadjuvante para Christian Bale e Melissa Leo em O Vencedor e Atriz para Jennifer Lawrence em O Lado Bom da Vida). Mas será que o diretor merece toda essa comoção?
A julgar por seu último filme não. Trapaça é sua obra mais medíocre. Ainda estou tentando entender porque o filme recebeu tantas indicações ao Oscar e ganhou tantos prêmios. O filme, que teve sua história inspirada em um caso real, conta a história de Irving Rosenfeld (Christian Bale) um grande trapaceiro, que trabalha junto com sócia e amante Sydney Prosser (Amy Adams). Os dois são forçados a colaborar com um agente do FBI (Bradley Cooper), infiltrando no perigoso e sedutor mundo da máfia para ajudar a prender alguns criminosos. Ao mesmo tempo, o trio se envolve na política do país, através do prefeito de Nova Jersey Carmine Polito (Jeremy Renner) que é um político corrupto, embora seja um bom pai de família e bom para comunidade, e através dele eles passam a chegar a grandes nomes da política americana também envolvidos em escândalos de corrupção.
Embora tenha uma história aparentemente interessante, David O. Russell não conseguiu dar a ela o charme necessário para que a história ficasse realmente interessante e decolasse, assim como já aconteceu em vários filmes de Hollywood que tratam do assunto trapaça. Não nego que David O. Russell seja um excelente diretor de atores. O elenco está afiadíssimo em especial Amy Adams, que a cada papel vem se firmando como uma grande atriz, ela consegue fazer uma personagem sensual sem ser vulgar, frágil sem ser fraca, e de uma importância absurda a trama. Outro destaque é Jennifer Lawrence que novamente deu um show de interpretação como Rosalyn a mulher desequilibrada de Irving (Christian Bale, que diga-se de passagem está muito bem), tudo bem que parece que sua personagem é a versão mais velha e mais desequilibrada de Tifanny, sua personagem em O Lado Bom da Vida. Mas pra mim o grande nome do filme é Jeremy Renner que construiu um personagem que é corrupto sim, mas você consegue entender o lado dele, ficar do lado dele e até torcer por ele durante o filme. Talvez o mais apagado de todos seja Bradley Cooper, que incrivelmente conseguiu outra indicação ao Oscar, quando quem deveria ter sido indicado era Renner.
Mas embora o elenco esteja afiado e entrosado o filme em momento algum decola. E, pelo menos eu pessoalmente, não consegui me envolver em momento algum com a trama. E algumas coisas contribuíram para isso. A começar pela a narração em off, que foi usada com exaustão aqui. David O. Russell parece que quis fazer um filme didático, explicando cada detalhe, falando sobre cada detalhe da vida dos personagens, para tornar a história mais real aos nossos olhos, o que realmente não era necessário. Nada contra narrações em off, em alguns momentos elas são realmente necessárias, mas ele usou em momentos que poderiam ser chaves pra história e simplesmente te tiram do filme.E o pior é que ele usou para poder tentar fazer a história parecer crível e real, quando no mundo de hoje não era necessário isso para nos fazer acreditar que aquilo realmente aconteceu. Ele simplesmente subestimou a inteligência dos que assistiram o seu filme.
Outra coisa que me incomodou bastante e me fez sair várias vezes do filme, foi o uso de música de forma exaustiva. Embora a trilha escolhida tenha sido espetacular, ela aparece em momentos que não ajudam e te tiram completamente da projeção. Talvez o único acerto nesse ponto é o momento em que Jennifer Lawrence canta “Live and Let Die”, que talvez seja a única cena do filme que eu tenha gostado, naquele momento os sentimentos dela são os passados na música e ela canta e dança de forma desordenada e louca, como se estivesse falando com você e aí entendemos realmente o que ela está sentindo naquele momento. Fora isso, as músicas são simplesmente lançadas ao léu de maneira desordenada e sem sentido. Como se não bastasse isso, parece que David O. Russell simplesmente quer te fazer lembrar a todo momento que aquilo é um filme. Além das narrações em off, que te tiram totalmente da projeção, em determinados pontos do filme aparece a frase “For Your Consideration” (Para sua Consideração), realmente não entendi aquilo, me perguntava a todo instante: “O que ele quer dizer com isso? Que isso aconteceu? Que isso é ficção? Que somos nós que devemos decidir se ocorreu ou não?” Algo que é totalmente desnecessário durante a projeção do filme, porque são em momentos que se é verdade ou não não faria diferença. Novamente ele subestima a inteligência de seus telespectadores.
Mas muito tem se falado também da maquiagem, direção de arte e figurino do filme. Realmente a maquiagem é fantástica em especial de Christian Bale, que sinceramente está bem no filme, mas só foi indicado ao Oscar porque engordou, aquela velha história se você se transforma é um grande ator. A direção de arte é realmente muito boa, a reconstituição de época é incrível, você realmente acredita que o filme se passa nos anos 70. Quanto ao figurino, é muito bom. Mas tenho um problema sério com ele, o decote excessivo da Amy Adams, em vários momentos não consegui prestar atenção ao filme, só conseguia olhar para o decote da roupa, e isso me fez novamente sair do filme. Mas no mais o figurino é com certeza um dos melhores que vi em filmes que destacam uma determinada época no século 20.
Realmente Trapaça tem seus méritos, elenco, direção de arte, figurino, maquiagem, mas isso não faz dele um grande filme. Como comecei esse texto o filme é realmente medíocre por conta de vários pontos que já falei, e em especial por um roteiro confuso, cheio de idas e vindas dos personagens, com um conceito totalmente corrupto, isso fica claro em uma das falas do personagem do Christian Bale, ele diz que os ‘políticos pegaram sim dinheiro com os mafiosos, dinheiro sujo, mas foi para fazer o bem pra população, e isso é descupável’, então você pode cometer um crime desde que seja pra ajudar outros? Além do que o filme começa dizendo que o filme foi inspirado numa história real, mas ao fim da projeção fala que tudo aquilo é uma ficção, o que faz com que o telespectador se sinta enganado. Se esse foi o objetivo do diretor, me desculpe não funcionou. Na verdade ele simplesmente chama cada um daqueles que estão ali sentados assistindo ao seu filme de burros, ele subestima a inteligência do telespectador, achando que não conseguimos distinguir o que é real do que é ficção. Como diz o título desse texto Trapaça é uma verdadeira Trapaça, que muitos americanos caíram, que a Academia caiu, mas tomara que não tenha caído tanto ao ponto de tirar o Oscar daqueles que realmente merecem.