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Coca-Cola
We Slaughter Barbecue
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Essa combinação grotesca de placas no posto de gasolina em que personagens de Massacre da Serra Elétrica param sugere significados muito presentes no filme de Hooper, numa dialética com aspectos culturais estadunidenses. O país do progresso capitalista, simbolizado pelo líquido preto gasoso é, ao mesmo tempo, um país de espaços datados, deliberadamente esnobados pelo progresso das grandes metrópoles, mas sempre presentes num imaginário muito bem explorado pelo diretor através da estranheza. O “we slaughter barbecue” possui um caráter perturbador para o “homem civilizado”. Sua presença no quadro é inabalável, esta placa pode muito bem existir até os dias de hoje, talvez tenha sempre existido, relembrando algo desagradável ao homem da cidade grande, algo que o filme todo aborda em diferentes níveis.
A automatização dos abatedouros, diminuindo em certo nível a brutalidade para com os animais, é vista como ruim para um dos assassinos. O motivo, algo aparentemente incompreensível para os jovens da van, está ligado à perda de empregos de diversos habitantes. Um problema onipresente desde o advento das máquinas no meio produtivo, e que até hoje se desdobra em aspectos políticos no país (o aparente descaso da administração Obama com a situação de desemprego no sul do país foi um grande propulsor para a eleição de Trump). A serra e a marreta, antes instrumentos comuns no abate de animais, tornam-se ferramentas para os psicopatas do filme, numa espécie de purgação vingativa para com esse progresso capitalista, simbolizado aqui pelos jovens forasteiros.
O medo que ressoa das ações do filme é capitalizado pela sensação de estranheza por conta dessa população caipira que age de modo inesperado. A fotografia “crua” amplia uma sensação documental do que acontece, como se estivéssemos assistindo uma gravação amadora de um grupo de amigos que percorre o interior texano, deparando-se com diferentes peculiaridades. Contudo, mesmo com esse aspecto plástico primitivo, Hooper não trabalha numa ideia de found footage. Há uma estilização evidente quando o diretor utiliza bem os zooms e a repetição de movimentos na montagem para pontuar a quebra da normalidade através de um choque cênico. Um diálogo no interior da van que, inicialmente, é apenas constrangedor, torna-se rapidamente bizarro através de ações abruptas.
Existe um imaginário latente no cidadão americano urbanizado a respeito do atraso da população caipira. O filme explora muito bem essa situação no sentido de extrair um medo a respeito de espaços onde as leis do mundo civilizado não parecem sobreviver. Hooper coloca isso em evidência não somente nas cenas de assassinato, mas também no grotesco de pequenas situações: um homem fica bêbado sentado dentro de um pneu, o ato trivial de limpar o para-brisa da van é ressaltado de modo perturbador pela montagem, como se a ação do personagem no posto representasse uma tentativa de intrusão daquele ambiente seguro aos jovens.
Quando a violência é concretizada, torna-se ainda mais perturbadora pela mise-en-scène não apresentar um abalo evidente. Mesmo os já citados zooms e cortes rápidos funcionam muito mais numa ressonância do choque das vítimas do que numa transição de comportamentos por parte dos assassinos. Afinal, diferentemente de muitos outros slashers, não são as vítimas aqui que sofrem uma perturbação de seus cotidianos pela chegada do insólito. Há, na realidade, uma inversão: são os jovens que vão ao encontro daquilo que parece muito bem estabelecido como realidade de um local estranho. Tudo nesse ambiente parece natural, cotidiano, àqueles homens perturbados. O trio de psicopatas age com trejeitos de perturbação que remetem a distúrbios mentais, um sadismo que possui algo quase infantil nos seus movimentos.
Nesse sentido, o filme não se dedica em momento algum na análise psicológica de seus personagens. À parte a construção de sugestões que remetem aos resquícios do progresso tecnológico nessa população caipira, não existe uma racionalização a respeito do que acontece, nem mesmo uma verbalização que busque dramatizar de modo mais frontal esses contrastes entre personagens urbanos e rurais. A situação simplesmente existe, o mal está ali, nativo àqueles espaços. O conflito torna-se inevitável quando a entrada forasteira denota um choque de forças que traz de modo latente aspectos culturais e históricos dos Estados Unidos, ampliando sua repercussão para o que de melhor pode ser feito na exploração dos medos humanos através do horror.
Se o progresso das máquinas resultou em problemas para muitos habitantes, a resposta de alguns deles parece ser a transfiguração. Os assassinos do filme tornaram-se, assim, máquinas humanas que não conseguem controlar seus movimento sádicos. Seus instrumentos remetem a um passado onde o emprego era pleno e as placas de “Coca-Cola” e “We Slaughter Barbecue” não representavam mundos tão distintos. Quando Leatherface brande sua serra contra o sol, obstinado, num plano de beleza perturbadora, Hooper encerra seu filme num descontrole que é atestador da natureza desse ambiente alheio a questões cosmopolitas.