Gnomos são criaturas mitológicas inclusas entre os seres elementais (ligados à natureza) da terra no folclore europeu. Segundo a crença, são pessoas de tamanho minúsculo que vivem embaixo da terra, em minas ou em troncos ocos de árvores onde também guardam seus tesouros. Sua função principal é equilibrar as energias das plantas e dos minerais. Existem três tipos de gnomos: da casa (cuidam das pessoas e animais domésticos e, em troca, recebem alimento), do jardim (cuidam das flores) e da floresta (cuidam das árvores, plantas e animais silvestres e evitam contato com os humanos).
Os gnomos estão presentes na literatura. O texto mais antigo conhecido sobre essas criaturas é o Ex Livro de Nymphis, Sylvanis, Pygmaeis, Salamandris et Gigantibus, etc, de autoria do místico suíço Paracelsus (1493-1541), escrito no século XVI. Foi a partir dessa época que iniciou-se o costume das pessoas colocarem imagens de gnomos feitos de porcelana e/ou gesso para enfeitar os jardins das casas. Por aqui, essas imagens receberam o infame nome de "anões de jardim".
Pode-se encontrar menção sobre eles na série de livros sobre o reino encantado de Oz - o mais conhecido é O Mágico de Oz - de autoria de L. Frank Baum (1856-1919); na série As Crônicas de Nárnia, de autoria de C. S. Lewis (1898-1963); no livro Cartas de Papai Noel, o escritor J. R. R. Tolkien (1892-1973, autor da saga O Senhor dos Anéis) apresenta os gnomos como ajudantes do Bom Velhinho. Os gnomos também aparecem nos livros de Harry Potter, escritos pela autora J. K. Rowling. Muitos desses livros, como o bom cinéfilo sabe, foram adaptados para o cinema.
Em 1976, o escritor holandês Wil Huygen, em conjunto com seu compatriota, o ilustrador Rien Poortvliet, lançaram com grande sucesso internacional o livro Gnomos (lançado no Brasil em 1987 pela Editora Siciliano que, atualmente, está fora de catálogo), um verdadeiro "tratado" sobre as simpáticas criaturinhas, que acabou por gerar o desenho animado de mesmo nome, em 1980, indicado ao prêmio Emmy (o Oscar da televisão estadunidense) de Melhor Animação.
Em 2011, os gnomos reapareceram no cinema na animação Gnomeu e Julieta. Dirigido por Kelly Asbury (Shrek 2), este desenho animado fazia uma original adaptação da peça teatral Romeu e Julieta, de autoria de William Shakespeare (1564-1616). Os personagens-título eram dublados por James McAvoy (O Último Rei da Escócia) e Emily Blunt (A Garota no Trem), os consagrados Michael Caine (franquia Kingsman) e Maggie Smith (série Downton Abbey) dublaram Lorde Tijolinho e Lady Azulejo; além do rockeiro Ozzy Osbourne, que dublava o personagem Corça, e Patrick Stewart (franquia X-Men) que fazia a voz do Bardo de Stratford-Upon-Avon.
Gnomeu e Julieta foi um grande sucesso de bilheteria e muitos perguntavam quando viria uma sequência. Foi preciso esperar até o ano da graça de 2018 para essa continuação chegar às telas dos cinemas, mas a espera valeu a pena, como pode ser visto no igualmente original Gnomeu e Julieta: O Mistério do Jardim.
Gnomeu (McAvoy), Julieta (Blunt); seus pais, Lorde Tijolinho (Caine) e Lady Azulejo (Smith); e demais gnomos de jardim, mudaram-se de Stratford-Upon-Avon para Londres. O casal de namorados é escolhido como os novos líderes do jardim. Julieta leva a responsabilidade muito a sério e, devido a isso, Gnomeu sente-se rejeitado.
Paralelamente a esses acontecimentos, o grande detetive Sherlock Gnomes (Johnny Depp, de Era Uma Vez no México) e seu assistente, o Dr. Gnomes Watson (Chiwetel Ejiofor, de Doze Anos de Escravidão) estão a perseguir o arqui-inimigo de Sherlock, Moriarty (Jamie Demetriou, de Paddington 2). Durante a perseguição, Moriarty, aparentemente, se quebra ao cair. Tudo parece terminado, mas Sherlock e Watson logo tomam conhecimento de um novo caso: vários gnomos de jardim desaparecem misteriosamente.
Assim como Shakespeare, o criador de Sherlock Holmes, Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930), é um dos grandes autores dos países de língua inglesa. Seu personagem inseriu-se de tal forma no imaginário popular a ponto de, até os dias de hoje, muita gente achar que ele é real e enviarem cartas ao seu endereço na rua Baker 221-B (a rua existe, mas o número não), para pedir sua ajuda para resolver um caso.
Nenhum outro personagem literário teve tantas adaptações nas telas grandes ou pequenas, seja em filmes live action ou desenhos animados - dentre estas está uma elogiadíssima série de TV produzida na antiga União Soviética (URSS), na década de 1970.
Muitos grandes atores interpretaram Holmes e Watson ao longo dos anos, indo desde Basil Rathebone e Nigel Bruce (de uma série de 14 filmes nas décadas de 1930 e 1940 e considerados os seus melhores intérpretes), passando por Nicol Williamson e Robert Duvall (Visões de Sherlock Holmes, 1974), Roger Moore e Patrick Macnee (Sherlock Holmes em Nova York, 1976), Christopher Plummer e James Mason (Assassinato Por Decreto, 1979), Joaquim de Almeida e Anthony O'Donnell (no filme brasileiro O Xangô de Baker Street, 2001) e chegando até Ian McKellen (Sr. Holmes, 2015).
Devo dizer que eu mesmo sou um grande fã do detetive e de seu assistente médico. Sou de uma geração que, quando criança, conhecia Holmes pela sua aparência (chapéu e capa), manias (cachimbo e violino), grande inteligência e seu infalível bordão: "Elementar, meu caro Watson". Comecei a ler os seus romances e contos quando era um pouco mais velho, no início da adolescência, o que aumentou meu fascínio.
Sem querer ser saudosista, a grande dificuldade em Gnomeu e Julieta: O Mistério do Jardim está justamente no pouco conhecimento da obra de Conan Doyle pela geração atual.
Embora, de uns anos para cá, haja um "renascimento" da dupla Holmes-Watson com filmes como os da franquia Sherlock Holmes (2009), com Robert Downey Jr (Homem de Ferro) e Jude Law (A. I. - Inteligência Artificial); e séries de TV como Sherlock (2010), com Benedict Cumberbatch (Dr. Estranho) e Martin Freeman (Pantera Negra), e estejamos em uma era tecnológica com informações em tempo real, a garotada de hoje lê muito pouco os livros do investigador da rua Baker e seu melhor amigo.
Gnomeu e Julieta: O Mistério do Jardim está cheio de referências aos romances e contos de Sherlock Holmes como, por exemplo, "O Problema Final" e "Um Escândalo na Boêmia", com a personagem Irene (dublada pela cantora Mary J. Blige), que é a astuta Irene Adler do conto, e, no desenho, é uma ex-namorada de Sherlock. Essas referências podem deixar as crianças menores um pouco no ar.
Apesar disso - ou talvez por causa disso -, o diretor John Stevenson (Kung-Fu Panda) consegue fazer a historia fluir muito bem, quase não se sente o tempo passar com cenas movimentadas e divertidas e ritmo dinâmico. O roteiro de Ben Zazove (O Fada do Dente 2) mescla com sucesso e muita naturalidade personagens de gêneros literários tão díspares e de épocas tão distantes um do outro.
A dublagem original feita por grandes astros e estrelas (no Brasil, não haverá nenhum nome conhecido na dublagem em português) é muito bem feita, o que garante a qualidade por si só. Chamou-me a atenção que o estadunidense Johnny Depp tenha sido escolhido para dublar Sherlock ao invés de um britânico "da gema" como Colin Firth (O Discurso do Rei), ou o próprio Benedict Cumberbatch. Mas, Depp faz bem o sotaque da terra de Avalon e não compromete.
A trilha sonora de Chris Bacon (sériede TV O Tick) é bem adequada a essa produção, mas o que chama mais a atenção são as canções do excêntrico, engraçado e supertalentoso cantor de Pop-Rock Elton John (O Rei Leão) feitas em parceria com o seu velho chapa, o letrista Bernie Taupin. É possível identificar grandes sucessos de Elton tais como Crocodile Rock e Saturday Night's Alright for Fighting, entre outros.
A propósito, Elton John é o produtor-executivo de Gnomeu e Julieta: O Mistério do Jardim por meio de sua companhia, a Rocket Pictures, que já havia produzido o desenho anterior e que vai continuar investindo em filmes do universo infantil e infanto-juvenil, sendo que uma de suas próximas produções será uma adaptação de uma série de livros infantis chamada N.E.R.D.S. - bem ao gosto de Elton - em data ainda a ser anunciada.
Gnomeu e Julieta: O Mistério do Jardim é o tipo de filme que as crianças vão amar - mesmo não conhecendo muito os livros de Arthur Conan Doyle - e os adultos vão curtir pacas devido ao seu apelo fácil e divertido, afinal ninguém resiste a um caso policial cheio de mistério e aventuras. É elementar, caros leitores e leitoras.