A Menina que Roubava Livros (The Book Thief)
"A Menina que Roubava Livros" foi lançado em 2013, dirigido por Brian Percival (diretor da série Downton Abbey) e roteirizado por Michael Petroni (roteirista de A Rainha dos Condenados). O filme é baseado no romance homônimo de 2005 de Markus Zusak. A história nos traz uma jovem que vive com sua família alemã adotiva durante a era nazista. Ensinada a ler por seu pai adotivo de bom coração, a menina começa a roubar (ou pegar emprestado, como ela mesmo diz) livros e compartilhá-los com o refugiado judeu que está sendo abrigado por seus pais no porão de sua casa.
Eu li o best-seller de Markus Zusak uns anos antes do lançamento do filme e posso afirmar com toda a certeza que o livro é simplesmente uma das coisas mais bela, singela e comovente que eu já li em toda a minha vida, ao mesmo tempo que se destaca como uma obra profunda, cruel e terminantemente emocionante. Verdadeiramente uma obra-prima da literatura.
"A Menina que Roubava Livros" é um verdadeiro drama que se passa durante a segunda guerra mundial, durante o reinado de Hitler, e nos traz uma história comovente da garota Liesel Meminger (Sophie Nélisse), que transforma a vida das pessoas ao seu redor com o poder da leitura. Um drama infantil arquitetado pra nos impactar e nos provocar lágrimas com feitos quase heroicos, quase poéticos, de uma menina que sobrevive aos escombros de uma Alemanha nazista em guerra com a Europa. O longa de Brian Percival traz uma mescla entre as descobertas da jovem Liesel, ao roubar os livros e se aventurar com seu amigo Rudy Steiner (Nico Liersch), com os riscos que a sua família assume ao esconder um judeu, que vive na clandestinidade, amigo do senhor Hans Hubermann (Geoffrey Rush), dentro da própria casa.
Muito da história foi inspirada em momentos vividos pelos pais de Markus Zusak que cresceram na Alemanha durante o nazismo.
Temos aqui uma obra que nos é passada sobre a perspectiva da jovem Liesel, pois vivemos toda a sua história a partir do momento que ela perde o irmão, durante a viagem que ela fazia com sua mãe biológica, uma comunista que se viu obrigada a fugir das garras nazista, o que culminou com a decisão de entregar Liesel para a família alemã. A partir dai nos vemos em uma tocante e singela história, de uma garota que descobriu os livros, descobriu a amizade, o amor, a compaixão, o afeto, a ternura, a família, ao mesmo tempo que também descobre o medo, a angústia e o pavor. Este contraponto é muito peculiar e singelo, pois ao mesmo tempo que Liesel descobria o prazer pela leitura e um mundo de aventuras em sua frente, ela era assolada pelo pânico da guerra e toda destruição e dor que ela causava, e tudo isso sendo vivido na pele de uma criança que só queria se divertir e descobrir o mundo, junto com seu inseparável amigo. Toda essa história sendo nos passado pela visão da pequena Liesel me remete diretamente a obra-prima, "O Menino do Pijama Listrado". Outra obra que nos passa a dor e a destruição da guerra pela visão de uma criança que só queria brincar e se divertir com seu amigo.
Temos alguns pontos muito interessantes na trama: como o fato do filme ser narrado pela Morte, de forma inconstante mas curiosa, pois na obra o autor, através da Morte, tenta provar a si mesmo e ao leitor que a vida, apesar de tudo, vale a pena. Ele se confronta com os fantasmas de seu próprio passado, presentes na trajetória de sua família durante o nazismo. Outro ponto: a forma como o filme retrata a vida dos alemães durante a guerra, que não era pelo fato deles serem alemães e viverem na Alemanha durante a guerra que suas vidas eram fáceis (como muitos de fora poderiam achar). Outro ponto: o filme faz questão de mostrar que nem todos os alemães eram nazistas e um ser perverso e odioso, muito pelo contrário, temos a história do senhor Hubermann, que era contra o nazismo e até se opunha ao regime de perseguição aos Judeus.
Inevitavelmente eu tenho que levantar aquele velho debate entre o filme e a sua adaptação, ou inspiração. Entendo o fato do filme nunca seguir a risca a obra adaptada, acho isso até válido, ter uma certa liberdade criativa, mas sempre respeitando a essência dos acontecimentos da obra original. "A Menina que Roubava Livros" tem uma adaptação regular, acerta em uns pontos e peca em outros, ok, entendo que seria impossível adaptar um livro de quase 500 páginas em um filme de pouco mais de 2hs, mas considero uma adaptação mal feita em algumas partes, como no cena após a explosão, onde o roteiro do filme muda alguns pontos cruciais do livro que eu considero uma grande falha. 90% dos eventos do livro estão no filme, mas de uma forma genérica, mal executada, mal trabalhada, o que me leva a crer em um problema da direção de Brian Percival e principalmente da adaptação de Michael Petroni.
Outra coisa que me incomodou bastante no filme: o fato de todos os personagens falarem em inglês mas com um sotaque alemão, ou pior, no meio de um diálogo em inglês ser constantemente enfiado uma palavra em alemão assim do nada, apenas para contextualizar que o filme se passava na Alemanha e estava sendo vivido por alemães. Um erro grotesco, o que deixou o filme com um tom genérico e reforçou ainda mais toda a sua artificialidade.
Tecnicamente e artisticamente o longa é muito bem trabalhado. Temos uma direção de arte muito rigorosa e completamente dentro dos padrões da época, o que deixou a história ainda mais verdadeira. A fotografia é excelente, dando aquele contraste entre a alegria dos descobrimentos da Liesel com os enquadramentos do pânico da guerra e dos ataques nazistas. A trilha sonora do gênio John Williams é muito peculiar, nos transmite a alegria e a dor ali lado a lado. Não é uma das suas melhores trilhas sonoras, como as obras-primas de "A Lista de Schindler" e "Cavalo de Guerra", mas compõe bem a trama.
O elenco do filme é o ponto mais positivo!
Sophie Nélisse está completamente excelente na pele da jovem Liesel Meminger. Sophie consegue achar o tom exato da sua atuação, nos passando aquela jovem sonhadora, apaixonada pelos livros e assustada com tudo ao seu redor. Nico Liersch também tem uma grande presença em cena, seu personagem Rudy Steiner tem um grande impacto na trama e principalmente na história da vida de Liesel. Era muito gostoso de acompanhar o nascimento daquela amizade verdadeira entre os dois, mas também foi completamente doloroso acompanhar o seu desfecho final. O grande ator Geoffrey Rush deu um show em cena, me deixando completamente maravilhado com a sua grandiosa atuação. Era muito gostoso de acompanhar o nascimento daquele amor de pai para filha e vice e versa, onde Geoffrey atuou com excelência ao lado de Sophie Nélisse. Emily Watson foi a Rosa Hubermann, a mãe adotiva de Liesel. Emily trouxe a figura daquela mãe severa, rígida, que sempre estava de mau humor, mas que no fundo guardava um amor verdadeiro pela Liesel - outra atuação perfeita! Ben Schnetzer era o Judeu fugitivo Max Vandenburg, que desenvolveu uma linda amizade com a Liesel. Um dos pontos alto do filme é sem dúvida a cena que Liesel ler para ele no porão de sua casa enquanto ele estava desacordado. Adorei esta cena, retratou muito bem esta parte do livro.
Na temporada de premiações de 2014, "A Menina que Roubava Livros" recebeu indicações ao Oscar, Globo de Ouro e BAFTA por sua trilha sonora. Sophie Nélisse ganhou o Hollywood Film Festival Spotlight Award, o Satellite Newcomer Award e o Phoenix Film Critics Society Award de Melhor Performance de um Jovem em um Papel Principal ou Coadjuvante - Feminino. Concordo plenamente, Sophie Nélisse representou muito bem a figura da Liesel Meminger e foi merecidamente premiada.
"A Menina que Roubava Livros" é um bom filme, retrata bem esta parte dolorosa da história durante a segunda guerra mundial e do regime nazista, e principalmente por nos ser passado sobre a perspectiva de uma criança, o que deixa a obra com um tom mais verídico. Porém, este filme definitivamente funcionará muito melhor para as pessoas que não leram o livro, pois elas não se importarão com as incongruências referente a obra que foi adaptada, e que eu considero como erros primordiais e até grotescos. [28/07/2022]
"A memória é a escrita da alma - Aristóteles"