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    O Passado
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    O Passado

    Segredos e mentiras

    por Bruno Carmelo

    Em 2011, o diretor e roteirista Asghar Farhadi surpreendeu o mundo inteiro com A Separação, um drama impecavelmente escrito e filmado, que usava o conflito de uma família iraniana para refletir sobre questões amplas da moral religiosa no país inteiro. O filme, talvez um dos melhores dos últimos anos, venceu todos os prêmios possíveis e criou grandes expectativas para a sua próxima produção.

    De seu Irã natal, Farhadi foi seduzido pelo convite de filmar um drama na França, que ofereceria uma estrutura de produção muito mais confortável do que a existente no Oriente Médio. O resultado foi O Passado, história que apresenta alguns dos atrativos que faziam de A Separação um filme tão inteligente, mas em proporções muito, muito menores. Talvez por estar menos familiarizado com a cultura francesa, Farhadi escolheu não fazer um grande tratado dos costumes locais, concentrando-se no drama de uma família específica, cujos conflitos não necessariamente refletem aqueles de toda a nação. Ou seja, enquanto A Separação - e também Procurando Elly e Fireworks Wednesday - portavam a ambição de serem retratos sociológicos, este novo drama adentra o terreno psicológico, através das ferramentas do melodrama.

    Não que isso seja um problema: o cineasta sabe conferir profundidade aos seus personagens com ninguém, e demonstra um domínio invejável na arte de criar pequenas cenas cotidianas, com diálogos naturais e reviravoltas condizentes com os universos de seus personagens. Farhadi associa-se à escola dos irmãos Dardenne e de Ken Loach na observação atenta e apaixonada de personagens marginalizados. A história, neste caso, concentra-se na temperamental Marie (Bérénice Bejo), que convida o ex-marido em sua casa para formalizar o divórcio, enquanto já vive com um namorado novo. Associa-se à trama uma quantidade surpreendente de problemas (suicídio, disputas entre mãe e filha, adultério, xenofobia, racismo), mas de modo equilibrado e coeso.

    A grande maestria de Farhadi consiste em fazer com que o problema de um seja a origem ou a consequência do problema do outro, de modo que todos os personagens estejam interligados do início ao fim da história. Como de costume na filmografia do cineasta, não se julga ninguém, não se apontam culpados ou vítimas. A câmera observadora do diretor acompanha cada um de seus personagens com o mesmo respeito. Tecnicamente falando, O Passado é belíssimo, com uma fotografia realista, montagem precisa e rico ambiente sonoro. Felizmente, o forte potencial lacrimoso deste melodrama é contido pela estética fria e cirúrgica.

    Para a surpresa do espectador, lá pelos dois terços da narrativa, o filme muda completamente de caráter. O roteiro decide se concentrar em um único conflito – a tentativa de suicídio da esposa de Samir (Tahar Rahim) -, e transforma-se em algo próximo de um suspense investigativo. Como detetives, os personagens buscam pistas do culpado pelo suicídio. Seria o homem que traía a esposa, a amante dele, a filha da amante, a funcionária da loja? Neste momento, o ritmo perde a sutileza inicial, pois cada cena traz um novo suspeito, a revelação de um novo segredo, em uma sucessão bastante novelesca. Embora este conflito canibalize o restante da história, ele não anula todos os esforços construídos até então. Farhadi parece menos confortável com o seu material e com a filmagem em outro país, mais comprova novamente ser um exímio diretor de atores e excelente contador de histórias.

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