Um filme vencedor de cinco Oscars, “Mary Poppins” é um musical aclamado pelo público e pela crítica dirigido por Robert Stevenson, estrelado por Julie Andrews (vencedora do Oscar de Melhor Atriz pela performance neste longa) e com roteiro baseado no livro escrito pela inglesa P. L. Travers. Cinquenta anos após o lançamento de tão importante obra, que foi um dos maiores sucessos da história do Walt Disney Studios, temos “Walt nos Bastidores de Mary Poppins”, filme dirigido por John Lee Hancock, cujo título nacional é tão direto, objetivo e preciso que não precisa de maiores explicações sobre a premissa principal do roteiro escrito por Kelly Marcel e Sue Smith.
Apesar do título, no entanto, boa parte da história de “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” está centrada justamente na figura da escritora inglesa P. L. Travers (Emma Thompson), principalmente em uma característica pessoal sua que é bastante comum a muitos que lidam com a criação artística. Se para muitos escritores, pintores, músicos, escultores, entre outros, finalizar uma obra significa a vivência de um vazio sem tamanho, para P. L. Travers o conflito é outro: ela não consegue desapegar da história que criou com a série de livros “Mary Poppins” e esse é o grande desafio a ser vivido, não só por ela, como também por Walt Disney (Tom Hanks), como o realizador visionário que tenta adaptar a obra literária para a grande tela.
“Walt nos Bastidores de Mary Poppins” mostra um insistente – e paciente (especialmente quando ele começa a lidar com as diversas demandas apresentadas pela escritora inglesa) – Walt Disney, que lutou por vinte anos para tentar convencer P. L. Travers a ceder os direitos autorais de “Mary Poppins” para o seu estúdio. Por outro lado, o filme retrata P. L. Travers como uma artista que, em decadência profissional e financeira, necessitando urgentemente de dinheiro para se manter, vende a sua obra mais querida para um produtor que transformará uma personagem que é muito próxima à ela em alguém “saltitante, cintilante e que corre feito um kamikaze em direção a um final feliz” e que se mostra uma mulher extremamente rabugenta e pronta a transformar a vida de qualquer pessoa que passe por perto dela em sua passagem por Los Angeles para tratar do processo de adaptação de “Mary Poppins” em um verdadeiro inferno.
Entretanto, a grande sacada por trás de “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” é retratar o paralelismo entre a ficção e a vida real e a maneira como um inspira o outro – e vice-versa. P. L. Travers era tão mesquinha em relação à sua obra mais célebre, pois ela rememorava o período de sua própria vida em que ela deixou a infância de lado para amadurecer e crescer por meio da vivência de uma experiência de profunda dor – a qual é retratada, de forma muito bem desenvolvida, por meio de flashbacks. Já Walt Disney, como contador de histórias, era aquela pessoa que restaurava a ordem com a imaginação. “Nós incutimos a esperança de novo, de novo e de novo”.
Por isso mesmo, “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” acaba sendo não a história dos bastidores de um dos filmes mais clássicos do cinema norte-americano, e sim a jornada de resgate de uma mulher, de forma a que ela possa deixar o seu passado para trás, em busca de um futuro mais leve – e por quê não, mágico como as cenas que emolduram os frames de “Mary Poppins”. Neste sentido, há que se dar todos os elogios à maravilhosa – e injustiçada, no último Oscar – atuação de Emma Thompson. A atriz está sensacional como P. L. Travers conseguindo fazer com que a gente se insira no universo emocional que ela habita, bem como na queda, cada vez sucessiva, das barreiras que ela impôs a si mesma diante das outras pessoas.