Berlim já foi visitada por, pelo menos, outro cineasta brasileiro, Paulo Caldas. Deserto Feliz, filme que resenhei quando fiz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado de 2007, conta a história de Jessica (Nash Laila), uma jovem nordestina sem perspectivas que conhece um alemão, Mark (Peter Ketnath), com quem imagina construir um futuro. Ela viaja com ele para a Alemanha, onde vive o tempo suficiente para perceber que a saudade do Brasil se tornara insuportável.
Tal como no filme de Caldas, o personagem de Moura (em ótimo desempenho) experimenta, neste novo filme de Aïnouz, a mesma dúbia e contraditória sensação de pertencimento/estranhamento de quem, atraído pela perspectiva de um futuro melhor num país de Primeiro Mundo, e motivado – em primeiro plano – pelo embalo de uma relação amorosa que carrega o status de um achado arqueológico, se vê lançado, atavicamente, no olho de um furacão que ele não só não consegue controlar como, em última análise, não lhe é dado sequer entender. É nesse “vendaval de paixões” – paixão pela profissão, paixão pelo amante, paixão pela terra de origem – que o diretor tenta nos fazer penetrar. Um exercício de especulação, convir-se-á, nem sempre bem-sucedido.
Tal como nos romances policiais, haverá um culpado. Aqui, é o roteiro, assinado a quatro mãos por Aïnouz e Felipe Bragança. A câmera do diretor, como um bom cúmplice de crime, só faz mettre em scène as idiossincrasias do script. Escasso em diálogos, com um raconte intimista, privilegiando os olhares, os silêncios, os longos planos-seqüência, Praia do Futuro consegue cansar em escassos 90 minutos. Relembre-se Azul é a Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche, com 180 minutos, sobre a relação homossexual entre duas jovens. Voilà!
Donato (Moura) é um salva-vidas do Corpo de Bombeiros do Ceará, que se apaixona por Konrad (Schick), um piloto alemão de motocross, depois de uma frustrada tentativa de resgatar o amigo deste no mar revolto. A “Praia do Futuro” não tem futuro para Donato. Nem para ninguém. Sua alta salinidade, a maior do mundo, não permite edificar prédios. As oportunidades de emprego são escassas.
Donato, assumindo sua homossexualidade, se muda com o amante para Berlim, deixando para trás a mãe (que nunca aparece) e o irmão pequeno, Ayrton, que o via como um herói. Dez anos depois, este, já crescido (Barbosa), viaja a Berlim, aparecendo perante Donato como um fantasma tentando resgatar um passado deliberadamente esquecido. Donato abandonara não só a família, mas sua profissão, o sol, a praia, o mar, o calor, o contato com a areia, as coisas simples do dia-a-dia, que o faziam feliz, trocando tudo isso por uma Berlim duplamente fria, no sentido climático como no humano. E, ao contrário de Jessica, ele reluta em voltar.
Por outro ângulo, doze anos depois de Madame Satã, a relação homossexual volta a adquirir [inclusive em termos físicos], uma insuspeitada, quase trágica, dimensão imagética, o que pode ser visto como uma espécie de retomada no cinema de Aïnouz. Relevante também assinalar que a linearidade da trama (dividida em capítulos) não evita o paradoxo de a história parecer logicamente truncada, defeito exacerbado pela escassez de diálogos e pelo excesso de silêncios, de introspecção, de contemplação. O filme não se explica, ele pede explicações...
Não é o melhor filme de Aïnouz. De quem já fez filmes como Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo e O Céu de Suely, além do inigualável (em termos estéticos), Madame Satã, esperava-se uma obra-prima da maturidade. Arrisco-me a dizer que o diretor pode estar percorrendo um caminho inverso.