A cultura por trás do Dia de Los Muertos tem uma riqueza ímpar. Tanto que é explorada por vários desenhos, muitas vezes misturada com outros pontos da cultura mexicana. Mas em Festa no Céu ela é, sem dúvida, a maior protagonista.
A trama viaja pela cultura mexicana e pela festa através de uma base já característica das animações, mas que aqui se mistura com elementos atuais. Manolo, Joaquim e Maria são amigos de infância, os dois garotos nutrem uma paixão pela garota e disputam seu amor. Uma história simples para crianças de variadas idades se enxergarem, até entrar a figura de Maria. A personagem é o elemento atual, é uma garota independente e forte. É a figura da mulher feminista, que crê em sua individualidade, em sua evolução livre de ordens patriarcais. Isso fica claro na disputa entre os dois garotos, onde ela não se deixa levar pelos arranjos de casamento de seu pai, e nem pelo egocentrismo de Joaquim. São várias as cenas que ela surpreende os personagens se mostrando superior ao estereótipo da donzela em perigo.
O trio principal é alvo de uma aposta entre La Muerte e Xibalba, para ver qual dos dois garotos conseguirá se casar com Maria e, a partir daí, a história se desenvolve, com Xibalba trapaceando e desencadeando os eventos do filme. Nesse ponto a história se mantém básica, trazendo elementos sem muitas surpresas, mas colocando tudo de forma digna. O foco é na liberdade que as pessoas devem ter para escolher seus próprios caminhos e na busca pelo amor verdadeiro, mote do filme, claro pela frase que auxilia o herói em sua jornada.
Com isso de base, entram os pontos mais altos do filme, identidade visual e trilha sonora.
A direção de arte trouxe todos os elementos do dia dos mortos, aliando isso a uma proposta de construir a história em diferentes modos. Há a camada com pessoas de carne e osso, onde uma guia de museu conta a história da disputa para crianças visitando-o, usando bonecos de madeira para isso; outra camada, dentro da história contada, mostra um mundo feito de madeira, com os personagens sendo bonecos; e a terceira camada, no mundo dos mortos, com os personagens sendo feitos de ossos. O resultado é de encher os olhos, misturando os elementos para gerar algo extremamente colorido e orgânico. As cenas no mundo dos mortos são as mais cheias de cores, cheias de detalhes para os olhos mais atentos, tornando a experiência muito mais rica, e o cenário de madeira está estupendo. Os rostos são cheios de expressões e a animação consegue se manter orgânica sem causar estranhezas. A construção do visual também tem um outro ponto interessante, aliada ao roteiro: uma sensação de se presenciar um jogo. São vários os momentos de referências claras a jogos, principalmente os antigos arcades, com chefões, fases vistas de forma lateral, e até mesmo plataformas móveis e labirintos para chegar até o fim da fase.
No campo da trilha sonora, também há um mix de estilos que traz ainda mais riqueza ao filme. O personagem principal, sempre acompanhado de seu violão, mistura músicas regionais com folk e indie, trazendo ainda mais sentimento para o filme (juntamente com a animação e o visual). Os momentos musicais são uns dos mais emocionantes de Festa no Céu, com destaque para as músicas originais de Gustavo Santaolalla. As músicas adaptadas, como Creep e I Will Wait, também ficaram ótimas sob as novas versões produzidas pela equipe do filme.
Há alguns excessos em Festa no Céu, especialmente no seu humor, algumas vezes sem timing (embora em outras seja extremamente bem feito), mas, no geral, a animação não perde o ritmo em praticamente nenhum momento. São 95 minutos de felicidade e sorrisos no rosto enquanto se acompanha as aventuras de Manolo, com momentos que fazem justiça ao nome do filme. É atual, inovador (uma história puramente hispânica), não carrega os preconceitos básicos entre mulheres, amizades e o próprio amor. Festa no Céu é uma grata surpresa, especialmente depois de toda a dificuldade em sua criação. E, no final, não tenha dúvidas de que sairá do cinema muito mais feliz do que quando entrou. ;)