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    Cirque du Soleil: Outros Mundos
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Cirque du Soleil: Outros Mundos

    Encanto perdido

    por Bruno Carmelo

    O grande interesse por trás dos espetáculos circenses reside em uma contradição: por um lado, o aspecto mágico e colorido sugere leveza, ilusão, facilidade. Por outro lado, o público sabe que os acrobatas estão realmente fazendo manobras dificílimas, ou que de fato existe um leão na jaula, ou ainda que as contorcionistas, enquanto sorriem, estão manejando seus corpos em posições que a maioria das pessoas não consegue reproduzir. O encanto nasce, portanto, da oposição entre uma realidade complexa e uma ilusão de simplicidade.

    O problema da adaptação Cirque du Soleil: Outros Mundos é que ela perde justamente essa ambiguidade. Na louvável intenção de fazer algo além do espetáculo filmado, o diretor Andrew Adamson (Shrek, As Crônicas de Nárnia) utiliza os recursos que o cinema põe à sua disposição: a tecnologia 3D, câmera lenta, imagens captadas nos ares, dentro de uma piscina ou coladas aos acrobatas, e uma pequena trama narrativa – no caso, a paixão entre uma visitante do circo e um acrobata, com os dois basicamente assistindo aos números do circo como espectadores comuns.

    Como o crítico Rob Nelson (Variety) apontou muito bem, a versão cinematográfica se enfraquece ao eliminar a possibilidade de perigo. Quando o espectador assiste ao espetáculo no circo, há sempre uma dúvida diante da prestação excepcional dos homens e mulheres em cena: O equilibrista vai conseguir andar sobre um fio sem cair? O acrobata vai conseguir saltar de um trapézio ao outro? Mas neste filme, onde tudo é perfeitamente limpo, elegante e brilhoso, o risco não existe. Assistir a Cirque du Soleil: Outros Mundos é como assistir a um jogo de futebol no dia seguinte, quando já se conhece o resultado da partida. Perde-se a empolgação do show ao vivo.

    Pior do que isso, também desaparece a impressão de dificuldade, tão importante para que o público admire as acrobacias. Inicialmente, os números dos espetáculos foram feitos para serem vistos de uma posição fixa, na plateia. Os movimentos e o tamanho dos cenários foram concebidos para um espectador distante, que observa os corpos voando sobre um palco amplo, deslocando-se pelo espaço vazio. Mas quando a câmera passa a acompanhar de perto cada movimento dos artistas, girando com eles e acompanhando-os quando mergulham na água ou se lançam aos céus, some a ideia de esforço humano. Tudo parece irreal, ilusório, como se nenhuma pessoa tivesse de fato executado aqueles movimentos.

    Explico-me: nenhum fã de Harry Potter admira Daniel Radcliffe por sua excelente habilidade de voo, nenhum fã de filmes de ação idolatra Sylvester Stallone por conseguir bater em dez adversários ao mesmo tempo. Isso é ficção, e embora exista uma aparência de realidade, o público sabe muito bem que estas cenas são frutos de truques, efeitos especiais, além de um uso específico de ângulos, luzes e montagem. Ora, ao usar estas mesmas ferramentas da ficção para mostrar os membros do circo, Adamson transmite uma impressão idêntica, de que estamos vendo apenas um efeito de pós-produção. O rigoroso e excepcional trabalho de corpo do Cirque du Soleil parece ter sido criado digitalmente, no computador. Ironicamente, ao tentar ver mais de perto, em uma imersão ainda maior no espetáculo, a magia do cinema acabou aniquilando a magia do circo.

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