Casos (complicados) de família
por Roberto CunhaSabe aqueles filmes que você entra na sala escura, sabendo pouco sobre ele, e sai de lá com a sensação de uma grata surpresa? Aconteceu em Saint-Tropez. Pode não ser denso o suficiente (é uma comédia) e nem um sopro de novidade, mas o desenho dos personagens e os diálogos inspirados (bem defendidos) expiram humor a todo momento. E isso é sempre bom para os que curtem rir, sorrir e não só rir.
A trama explora o difícil relacionamento dos irmãos Zef (Eric Elmosnino) e Roni (Kad Merad). Diferentes em tudo, vivem brigando por causa de trabalho, mulher, dinheiro, religião e até música. Em comum, um pai (Ivry Gitlis) com Alzheimer e as filhas Noga (Lou de Laâge) e Melita (Clara Ponsot), que se adoram como irmãs. Iguais na beleza e jovialidade, elas não têm nada a ver nos quesitos sensibilidade e conteúdo, espelhando os valores dos paizões. Ironia do destino, o velório da falecida esposa de Zef acaba acontecendo no mesmo local do casamento da sobrinha Melita. Para completar a confusão, Noga descobre que o noivo da prima é o mesmo cara com quem flertou durante uma viagem. Eis aí um enredo de situações e consequências inusitadas, que poderão desatar, ou não, um verdadeiro nó amoroso.
Do elenco afinado, a exótica Monica Bellucci é a mais conhecida do grande público. No entanto, seu papel é o de menor expressão. Como curiosidade, porém, vale o momento em que o divertido vovô, já trocando as bolas, a confunde com Gina Lollobrigida, uma das divas do cinema. Destaque ainda para um bonito momento entre pai e filhos, após uma cena hilária dentro do hospital, ambiguidade que parece permear o longa da cineasta Danièle Thompson, já indicada ao Oscar e ao César, pelos roteiros de Primo, Prima (1973) e Um Lugar na Platéia (2006), respectivamente. Esse de agora, ela fez com o filho Christopher Thompson (na carona do gancho família) e fica evidente o flerte com o estilo Woody Allen de fazer humor.
Assim, tratam a morte de maneira irônica e sapecam várias canções de Frank Sinatra em meio as tradições do Talmude (livro sagrado judaico), em um cenário de intenso contraste de valores existentes entre as duplas: irmãos e primas. Do título original Des gens qui s'embrassent (Pessoas que se beijam) vem a principal bitoca, quer dizer, dica, uma vez que de um beijo roubado (não correspondido), acompanhado de um poema de Cyrano de Bergerac, descortina-se esta simpática história sobre pessoas que de nada em comum, têm tudo a ver. E o amor aparece no sentido mais amplo da palavra. Aconteceu em Saint-Tropez, mas poderia ter sido em qualquer lugar do mundo, como sintetiza um dos filhos para o coroa: "é complicada, papai, é 'a família'."