Três horas de filme podem parecer intermináveis, mas em Azul É a Cor Mais Quente elas são muito bem-vindas. O título original francês divide o filme: A Vida de Adèle – Capítulos 1 e 2. Talvez a primeira ideia tenha sido lançar em duas partes, mas o impacto não seria o mesmo. O diretor Abdelatiff Kechiche é conhecido por contar histórias realistas, cruas, que tomam distância do embelezamento quase automático que o cinema dá aos fatos. Paradoxalmente, as verdades de Kechiche não poderiam ser mais belas. E é justamente a banalidade das situações que nos faz sentir que a vida de Adèle é real. É o catarro que escorre pelo nariz toda vez que ela chora, ou a calça que ela levanta no meio da rua. E, mesmo assim, a poesia surge. As passagens do romance A Vida de Marianne lidas em aula se encarregam das únicas narrações filosóficas durante todo o filme, e funcionam: Marivaux faz bem a ligação entre a boca que tem diálogos vazios, a boca que come, e as outras bocas e as outras coisas que a boca de Adèle viria a experimentar.
Apesar da temática, Kechiche não tem intenção de ser político. Em um momento em que a França vive uma clara oposição ao casamento gay, sua jogada genial foi a de fazer um filme de amor, que não pode ser desacreditado pelos que nadam contra a corrente. Quem ousa se opor ao amor? No entanto, nada o impede de levantar questões sociais. A diferença de classe é marcada nos detalhes. Adèle quer a segurança da carreira de professora, cita Bob Marley, janta espaguete. Emma é artista, leu Sartre, sabe comer ostras. E Emma tem certeza que gosta de meninas, enquanto Adèle só sabe que gosta de Emma.
Em um filme cheio de arte, de closes, de pele e de lágrimas, alguns dirão que o tropeço de Kechiche foi enchê-lo também de sexo. Sexo que é amor, mas que é mais sexo. Sexo retratado de forma fria, sem iluminação, sem roteiro, sem maquiagem, sem música. Na sua sequência mais longa, por sete minutos. Só mais uma verdade na banal vida de Adèle. E sexo ainda que conta uma história aos espectadores mais tolerantes, uma história de amadurecimento, de confiança. Adèle começa aprendendo, mas aprende bem e aprende rápido, ganha nota sete já depois de alguns encontros.
A transição de capítulos é sutil em relação à passagem do tempo. Emma muda o penteado, Adèle muda o guarda-roupa. Mas a relação do espectador com Adèle também muda aos poucos. Os closes que garantiam a intimidade na primeira parte se tornam menos frequentes. Somos afastados, talvez para sermos bons juízes de suas ações. Emma se torna mais séria, mais segura e, com isso, mais cativante. Depois de alguns anos de fortes emoções, de um período de descoberta, a vida se mostra normal de novo. Mas as fortes emoções podem ser viciantes. Adèle quer mais vezes o frenesi da primeira troca de olhares, do primeiro sonho com Emma, aquele sentimento que muita gente não vive nem ao menos uma vez, mas que por um minuto nos realiza, mesmo que só vendo ali, em uma tela de cinema.
Nos apaixonamos por Adèle, e depois por Emma. E nos desapaixonamos por Adèle, e depois por Emma. E depois da cena final (obviamente banal), resta uma inquietação: três horas é um tempo curto demais para termos o coração partido por duas pessoas tão diferentes.