Cumplicidade afetiva
por Roberto Cunha"Há coisas ruins no meio das coisas boas". A frase dita pela jovem compositora não chega a ser lapidar, mas reflete a história de quem nasceu num ambiente totalmente cristão e que anos mais tarde se tornaria uma estrela da música pop. Musa daqueles que se acham diferentes ou excluídos, Katy Perry ganhou seu primeiro violão (da igreja) aos treze anos e com ele sonhou alto, como muitos jovens também fazem. A diferença é que ela conseguiu. Se livrou das amarras da fé (sem nunca perdê-la) e partiu para viver através de canções sobre suas experiências. O resultado? Além de Michael Jackson, somente ela foi capaz de colocar cinco músicas de um mesmo álbum no topo das paradas.
Assumidamente exibida, a cantora devassa 'parte' de sua vida, revelando o sonho adolescente (como diz a música) que transformou a esquisitice dela num conto de fadas. E até o final infeliz provocado pelo divórcio com o marido esquisitão (o ator Russell Brand) foi registrado. Se coincidência ou oportunismo, ter filmado isso nos bastidores do maior show da vida dela (em São Paulo) pode soar piegas para uns e até exploração braba da própria desgraça para outros, mas funcionou na "trama". Goste ou não, a qualidade do som e das imagens (o 3D funciona) é boa e os shows altamente coloridos e cheios de truques (a troca de roupas é fantástica!) são contagiantes.
Como tempero adicional, os fiéis seguidores verão cenas inéditas dela molequinha, como aí do lado. E tudo isso, claro, adornado com as (pegajosas) músicas que a projetaram para o estrelato, como "Teenage Dream", "Firework", California Girl", "Part of Me", entre outras. Melhor ainda se exibirem elas com legendas. E se para os fãs ligadaços o que se conta não é novidade, para os não iniciados, saber que ela se inspirou em Alanis Morissette, bateu na porta de produtores aos 17 anos na maior cara de pau e peitou gravadoras para fazer o que acreditava, não deixa de ser interessante. E o que dizer de um pai pastor da igreja pentecostal que admite ter pensado que sua obra e os fiéis iriam sucumbir ao sucesso "infernal" da filhota? Só vendo para crer.
Katy Perry: Part of Me 3D é acima de tudo um deleite para os fãs que se sentirão a vontade, e com vontade, diante de (mais) um show de sua diva multicolorida. Por outro lado, para aqueles que não morrem de amores pelo som dela ou até torcem o nariz para a moçoila, vale avisar que a produção tem valor como entretenimento e faz você 'entrar' nesse mundo, exatamente como Perry fez com sua turma. "Obrigado por acreditarem na minha bizarrice", diz ela em alto e bom som. "Sem arrependimentos, só amor", diz uma de suas letras. O segredo, talvez, esteja nessa cumplicidade afetiva.