“É fácil ser mártir. É fácil ser herói. Difícil é trabalhar todos os dias, sabendo que seu trabalho é insignificante.” Esta frase, dita pelo padre Julián (Ricardo Darín) ao padre Nicolás (Jérémie Renier) num momento de crise deste, pouco depois de chegar, como missionário, à miserável e violenta favela de Villa Virgen, periferia de Buenos Aires, expressa, na sua simplicidade e crueza, o dilema de todos aqueles que se envolveram ou se envolvem em lutas sociais pela América Latina afora. Dilema que se amplifica quando os protagonistas pertencem à Igreja Católica, que nesta região protagonizou a conhecida Teologia da Libertação, nos anos 1960-80, atualmente ofuscada por uma vertente espiritualista, fechada em si, desde os tempos do Cardeal Ratzinger (Papa Bento XVI).
O padre Julián, seu colega Nicolás e a assistente social Luciana (Martina Gusman) protagonizam “Elefante Branco” (2012), dirigido por Pablo Trapero. O título remete a uma grande obra abandonada, na capital argentina, na qual e em torno da qual vivem precariamente em torno de trinta mil pessoas, enfrentando um quotidiano de miséria e violência semelhante ao das favelas do Rio de Janeiro. O tráfico de drogas, com as conhecidas disputas de territórios pelos grupos rivais, envolvendo a população e conturbando o quotidiano dá a tônica dos acontecimentos, nos quais se mete, sem nenhuma originalidade, a polícia corrupta.
A omissão governamental – também velha conhecida – é uma peste encontradiça, na favela, do mesmo modo que as chuvas torrenciais que com frequência tudo alaga e encharca por ali. A ela se junta, para desespero dos padres engajados, o baixo envolvimento concreto do alto clero local – talvez conhecido do atual Papa Francisco, de quem se diz que atuou em situações parecidas como as da Villa Virgen.
Cenas de confronto entre manifestantes e policiais dão tensão ao filme, juntando-se às angustiantes situações vividas por jovens drogados que os padres tentam recuperar, sem sucesso, e tentam proteger – o que leva ao assassinato do Padre Julián numa cena-denúncia de alto impacto, em que pese a banalidade de situações semelhantes em favelas latino-americanas.
A sensibilidade e os restos de humanidade que perduram nas circunstâncias vividas pela massa miserável, pelos padres e pela assistente social (estes, claramente os agentes exógenos, diferentes, que se indignam e se colocam de corpo e alma na tarefa de ajudar a melhorar as condições de vida no local, no esteio de uma fé socialmente engajada) se destacam na figura do padre Nicolás, um belga de família rica que, depois de passar um ano em retiro espiritual, sem se comunicar, em absoluto silêncio, termina em Villa Virgen para auxiliar Julián, a quem conhecera antes, passando a respeitar e admirar. Torna-se inevitável seu envolvimento com Lucia, o que gera uma crise vocacional que coloca em risco sua condição de sucessor de Julián. Morte este, o padre belga volta à vida de monge, recluso (a figura da Igreja conservadora), mas termina voltando ao projeto em Villa Virgen (a Igreja progressista resistindo, Lucia atraindo ou as duas coisas?).
A história de Macaquinho (assim chamado por subir no telhado para fugir às surras paternas), um jovem drogado na luta por recuperação, sob amparo dos padres, é um dos fios condutores do enredo, culminando com sua captura dramática, em uma das cenas mais fortes do filme, por ter assassinado um policial (Cruz) infiltrado na favela e colocado a serviço dos padres (que nada sabiam de sua condição de espião).
Embora se trate de um drama-denúncia, o roteiro e a direção conseguem evadir-se dos julgamentos chapados, deixando fluir a vida dos personagens de um modo que as contradições e conflitos sejam sentidos e avaliados pelos expectadores sem indução ao maniqueísmo, típico deste tipo de empreendimento cinematográfico. O filme não resolve situações que a vida não solucionou na América Latina, porque por aqui os super heróis ainda não deram o ar de sua graça, e mesmo os mais fiéis seguidores de Jesus Cristo titubeiam, diante de tanta miséria, corrupção, descaso e abandono.