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    Mãe e Filha
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Mãe e Filha

    Pompa fúnebre

    por Bruno Carmelo

    A busca pelo traço autoral pode causar alguns estragos no cinema. Mãe e Filha parece nascer desta procura por um cinema absolutamente pessoal, ou seja, diferente de qualquer outro, tanto do nicho comercial quanto dos "filmes de festivais". Petrus Cariry, que assina a direção, o roteiro, a montagem e outras funções essenciais à obra, quer fazer deste filme uma experiência única, exigente, criativa.

    Neste sentido, talvez Mãe e Filha represente uma satisfação pessoal para o diretor e para os outros Cariry, muito provavelmente membros da família, cujos nomes desfilam nos créditos finais. Embora o título lembre um filme de Alexandr Sokurov, embora a natureza em câmera lenta lembre Lars von Trier, ou ainda o existencialismo remeta a Andrei Tarkovski, esta produção cearense está muitíssimo distante destes diretores.

    O filme adota uma estética, digamos, funerária. Isso poderia ser justificado pelo tema (uma filha apresenta seu bebê natimorto à sua mãe), mas as escolhas de luz e montagem vão muito além, mergulhando as duas mulheres em uma quase escuridão permanente, irrompendo o silêncio abrupto com sons de tambores solenes e pomposos (Carmina Burana não está muito longe), fazendo de cada raro diálogo uma declaração de força e dramaticidade.

    Assim, não existe realismo nem espontaneidade em Mãe e Filha. Cariry realiza uma obra puramente simbólica, metafórica, e faz do enquadramento seu verdadeiro instrumento narrativo. Esta não é uma produção em que "o quadro está dentro do mundo", com a câmera tentando acompanhar os fatos da vida real, mas pelo contrário, as pessoas só existem para compor este quadro. Fica a impressão de que as duas mulheres esperam o "Ação!" do diretor para começarem a existir, se locomover e depois parar exatamente no ponto predeterminado pela direção, no terço exato do enquadramento.

    Nesta obra obsessivamente formalista, as protagonistas não são a mãe e a filha, muito menos o bebê morto ou o pai ausente. A única figura que tem vontades, que impõe uma visão de mundo e um rumo à narrativa, é o próprio Petrus Cariry, um asfixiante diretor-autor, que não cria um mundo além dos limites do seu enquadramento. Pode haver som em off, personagens cortados pelas bordas da imagem, mas em momento algum as duas personagens se deslocam além de uma coreografia rigidamente delimitada.

    Portanto, o mundo neste filme é de ordem decorativa, ele interessa pelas belezas das luzes na janela, do véu em frente à câmera, dos cangaceiros espremidos num canto do quadro, enquanto o chapéu faz sombra ao rosto. O sertão cearense de Mãe e Filha assemelha-se a uma fotografia "still", uma natureza morta. A frieza e o hermetismo podem ser pertinentes ao tema da morte, mas não permitem nenhuma vida autônoma além da imposta pelos limites estéticos da direção. O autor acaba por fagocitar o próprio filme.

    Uma cena final define bem o opressor peso autoral nas escolhas da imagem: depois de uma música operística, às vésperas do enterro do bebê, a câmera passeia pelas fissuras de ruínas, pelos tijolos aparentes de um muro, pelas rachaduras do concreto. Aquilo tudo é desolação e miséria, mas o olhar do filme o mostra como um troféu, como um palácio em ouro. A miséria e o luto nunca foram tratados com tanta pompa, tanto ornamento e tanta ostentação quanto em Mãe e Filha.

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