O circo dos gays
por Bruno CarmeloMuitos defensores das minorias sociais têm comemorado a multiplicação de personagens gays na mídia e nas artes. Existem cada vez mais gays nas telenovelas, nas séries de televisão, nos filmes, nas peças de teatro. Esta mudança seria um inevitável avanço na visibilidade e aceitação da comunidade LGBT, afirmam alguns. Mas chega então aos cinemas uma comédia do nível de O Casamento de Gorete, em que todos os personagens principais são gays, travestis ou transgêneros – e percebe-se que a qualidade da representação é muito mais importante do que a quantidade de gays presentes na história.
A trama se passa na cidade imaginária de Pau Torto, em uma época não especificada. Gorete (Rodrigo Sant’anna) foi um garoto homossexual rejeitado pelo pai, e hoje vive como uma espécie transformista em período integral (e não uma travesti ou transexual), coordenando um programa de rádio ao lado das amigas Domitila (Tadeu Mello) e Marinalva (Ataíde Arcoverde). Quando Gorete descobre que precisa se casar para receber a herança do pai, trata de fazer uma competição na cidade para encontrar o marido perfeito.
O filme não pretende ser realista, longe disso. As cores são berrantes, a música é farsesca, e o tom infantil lembra as produções dos Trapalhões, que exploravam cenários rurais para construir fábulas ingênuas e moralizantes. Aqui, a ideia é a mesma: explorar personagens atrapalhados em cenários bucólicos e de classe baixa, podendo rir alegremente de todos os estereótipos que essa configuração pode oferecer: o caipira burro mas malandro, o galã apenas burro, o padre boca-suja etc. O roteiro explora com vigor as piadas físicas, a escatologia e as inverossimilhanças – a exemplo do pai moribundo e homofóbico que exige ver o seu filho casado com outro homem, e de reviravoltas absurdas relacionadas ao marido de Gorete.
O diretor Paulo Vespúcio não tenta criar nenhuma imagem engraçada em si, preferindo transferir a responsabilidade do humor aos diálogos e à cenografia. Por isso, todo o ritmo é baseado em piadas verbais (e como se fala nesta comédia!), com personagens gritando e se sobrepondo à estética exagerada dos figurinos, da fotografia e dos cenários. O Casamento de Gorete segue a linha recente de humor histérico consagrada por Leandro Hassum e Paulo Gustavo. Rodrigo Sant’anna fala sem parar, grita com todos ao redor, dá chiliques a cada instante, seguindo a regra de que mais é melhor.
Essa construção já é pobre em termos de cinema - afinal, as mesmas piadas e trocadilhos poderiam ser feitas na TV, no teatro e até no rádio, não contendo nada especificamente cinematográfico. Mas ela é ainda pior no que diz respeito à representação dos gays. Isso porque a história nunca ri com os gays, e sim ri dos gays. As situações que atingem Gorete e suas amigas não poderiam acontecer a qualquer um, apenas a uma suposta parcela da comunidade LGBT. Ri-se do fato que gays e travestis supostamente são pueris, fúteis, pouco inteligentes; rebolam o tempo todo, vestem-se com roupas extravagantes, têm voz fina, gritam uns com os outros, tratam-se por adjetivos femininos. Os gays são ridicularizados, como as mulheres barbadas, os anões e outras “aberrações” de circo.
Não que personagens efeminados e extravagantes não possam ser representados nos cinemas. Afinal, eles existem na sociedade, e têm todo o direito de ganhar as telas. Mas que sejam tratados de maneira respeitosa, que possam ser vistos como pessoas interessantes, responsáveis, capazes de ter relacionamentos estáveis, que possam beijar como qualquer outra pessoa. Ora, O Casamento de Gorete, filme supostamente pró-LGBT, ainda evita o beijo gay explícito, prova de seu conservadorismo e preconceito. E o que dizer de Letícia Spiller no papel de uma drag queen? Não apenas a personagem é grotesca, mas ela não tem importância nenhuma na trama, e mostra que a equipe sequer se deu ao trabalho de construir uma drag realista, já que ressaltam o pênis entre as pernas da atriz durante um número musical.
Por fim, mais do que uma aventura lúdica e ingênua, O Casamento de Gorete revela-se um filme associal, apolítico e reacionário – um esforço contraprodutivo de visibilidade e respeito à comunidade LGBT. Não adianta dizer que “é só comédia”, afinal, o humor tem a sua responsabilidade social como qualquer outra forma de representação. Enquanto gays forem limitados ao espaço da diferença, da alteridade, ou seja, enquanto forem mantidos em posição marginal e inferior aos heterossexuais, não se pode falar em avanço social ou cultural.