RELATOS MUSICAIS
por Lucas Salgado"Agora eu era o herói / E o meu cavalo só falava inglês / A noiva do cowboy / Era você além das outras três / Eu enfrentava os batalhões / Os alemães e seus canhões / Guardava o meu bodoque / E ensaiava o rock para as matinês". Assim começa a bela canção "João e Maria", de Chico Buarque. O novo filme de Eduardo Coutinho pede aos entrevistados que cantem as músicas de suas vidas e é bem provável que faça o espectador pensar na sua. Não sei se tenho uma "música da minha vida", mas sem dúvida tendo que escolher uma seria "João e Maria", por remeter diretamente a minha infância e a momentos felizes de meus quase trinta anos. Este é o tipo de sentimento que você pode esperar de As Canções.
Logo em uma das primeiras entrevistas de As Canções, um homem canta "Esmeralda" e fala como a música lhe lembra a infância e a presença da mãe. Em pouco tempo, o sujeito começa a chorar copiosamente e até se constrange por isso. Ele não sabe porque chorou. A mãe esta viva e sua juventude foi alegre, mas mesmo assim chora. Este é o momento mais forte do longa e faz justiça às obras mais marcantes do diretor de Cabra Marcado Para Morrer. Não é qualquer diretor que consegue através de um depoimento passar para o espectador os efeitos da passagem do tempo. Todos os entrevistados contaram histórias sobre seus passados, mas é possível dizer que apenas este homem voltou no tempo.
Rodado em apenas sete dias, o longa é tocante, bonito, triste e engraçado. Mexe com vários sentimentos e sensações, e por isso merece ser assistido. Os depoimentos foram escolhidos a dedo e é provável que o espectador se emocione bastante em alguns casos, como o do jovem que perdeu o pai aos 12 anos e compôs uma música falando sobre sua ausência ou o da mulher que chegou ao ponto de pensar em se matar, mas acabou encontrando um grande amor. É provável que alguns dos registros tenham sido idealizados e possuam uma margem de fantasia, mas isso não interfere no caráter emocional.
Eleito o Melhor Documentário do Festival do Rio 2011, o filme conta com falas de 17 pessoas, que variam entre 22 e 82 anos. As histórias abrangem relações amorosas e familiares.
Eduardo Coutinho demonstra um carinho impressionante com seus entrevistados. A câmera parada pode incomodar os acostumados com a geração MTV, mas inegavelmente é a melhor forma de se capturar um depoimento desse tipo. O diretor explora as histórias e a forma como o corpo inteiro age diante de uma revelação. Não é preciso dar um zoom no olho repleto de lágrimas para enganar o público a se emocionar, isso acontece de modo natural e, por isso, mais significativo.
A honestidade do cineasta com os seus personagens também aparece quando Coutinho opta por creditar as músicas só no final. Uma edição tradicional colocaria os créditos das músicas sempre que elas fossem cantadas, mas não é o que acontece, afinal o importante não é a canção, mas a história de vida que está sendo exposta. O diretor também demonstra respeito ao aceitar um pedido de um entrevistado para não cortar o depoimento em que agradece a Deus pelas coisas que deram certo em sua vida. O mais interessante de tal fala é que o sujeito completa dizendo que não pertence a nenhuma igreja, mas sim a Cristo.
As Canções conta com diversas falas marcantes, como a da mulher que diz: "Eu não fui o grande amor da vida dele, mas ele foi o grande amor da minha vida". Juntando o depoimento com a música "Retrato em Branco e Preto", de Chico Buarque e Tom Jobim, algo que poderia ser uma máxima-clichê de desilusão acaba como uma fala difícil de se escutar.
O filme se relaciona de forma bem interessante com Jogo de Cena, em que Coutinho também colhe depoimentos em cima de um palco teatral. A diferença é que na nova produção os entrevistados não estão de costas para a plateia. Eles olham o público de frente e contam suas histórias. E, acredite, você vai querer ouvir suas histórias.