"O Menino e o Mundo", um filme tocante
Quando era criança meus pais me levaram num templo budista. O fizeram apenas uma vez. Por lá, encontrei uma pedra do tamanho do mundo. Tentei escalá-la e não conseguia. Mas aquilo não parecia para mim um obstáculo muito maior do que eu poderia almejar, de modo que, com um pouco de esforço, consegui chegar ao cume da impetuosa aventura.
Pois bem, há um ou dois meses atrás, voltei, sozinho, ao mesmo templo em Vargem Grande, justamente atrás da pedra, a qual devia respeito. Surpreendentemente, ela era pequena, batia na minha bacia. De primeira, senti uma pontada de desapontamento, mas não desisti, fechei os olhos por um minuto, forcei minha memória ao máximo, me deixei levar pelo ambiente, pelo vento e pelos sons. Quando vi, estava diante de uma grande montanha.
Foi mais ou menos esse o sentimento que "O Menino e o Mundo" despertou em mim. O filme é sobre uma criança cujo pai sai de casa repentinamente, deixando apenas uma música. Sim, uma melodia feliz que o pequeno herói literalmente prende numa lata e enterra no jardim.
Desesperado, o menino foge de casa a procura do pai, e acaba descobrindo a vida em todos os seus sentidos: positivos, líricos, negativos, industriais, numa aventura cheia de cor, expressão e sentimentos. Vemos, por exemplo, a destruição da natureza aos olhos de uma criança, ao mesmo tempo em que ficamos tocados pela busca incessante do pequeno por aquele algo a mais que completaria tudo.
A melhor parte do filme é que ele não possui um final "hollywoodisticamente" feliz. O menino volta para casa literalmente de mãos vazias, mas com o peito e o coração mais cheios do que nunca. A melodia da flauta do pai, que acompanha o filme todo, tem o papel fundamental de nos manter ligados na relação pai-filho, e de tornar os nossos últimos minutos no cinema mágicos.
Quando encarei a pedra pela primeira vez, não estava apenas tentando escalar um mineral gigante, estava sendo um agente circulado de outros modificadores desse conjunto de histórias líricas e racionais chamado vida. Lembro da minha aventura particular por um sem-número de fatores, os quais não conseguiria enumerar nem um décimo. A magnitude da rocha na minha frente era apenas o principal, o mais impactante deles.
Já no caso do filme, a música, com todo o seu poder de síntese e de guardar um determinado sentimento, funciona como pedra-fundamental do passado e da motivação do personagem, como uma lembrança eterna de tudo aquilo que ele deseja e do que ele já foi.
Então, sempre que ele abrir a lata e de lá sair o som imaginário que lhe remete a tantas coisas, essa terá sido a sua vitória.
Se a vida é, racionalmente, um conjunto de dias ou anos vividos, pode ser também interpretada como um conjunto de memórias e símbolos que fazem esses tempos parecerem infinitos.