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Um filme da qualidade de ‘O Menino e o Mundo’ já era uma conquista para a animação brasileira antes mesmo de ser premiado internacionalmente. Vencer o prêmio principal “Cristal de Melhor Animação” para a crítica e também de “Melhor Animação para o Público”, da 54ª edição do Festival Internacional de Animação Annecy (Festival International du Film d'Animation d'Annecy) 2014, foi sua consagração como uma das melhores produções, do gênero, nos últimos anos. Ser indicado ao Oscar e ser amplamente distribuído nos Estados Unidos, além de ser mais um reconhecimento de competência é o seu triunfo como um produto com grande potencial comercial.
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É no mínimo um desperdício, que o mercado de distribuição cinematográfica nacional ignore essa capacidade de bons lucros com a bilheteria deste filme, mesmo após a indicação ao Oscar de Melhor Animação. É provável que ele retorne em muitas salas mais próximo da premiação - ainda mais se ele conseguir a façanha de ganhar - se tornando a “zebra vencedora” do ano, “dark horse” como sugerido pelo site especializado em cinema Indiewire. Ainda assim o descaso na forma como está sendo distribuído no Brasil, antes e depois de suas indicações e vitórias em diversas premiações é espantosa. O mais absurdo é que o filme tenha sido assistido mais em países como a França e EUA, do que no circuito nacional, fazendo com que muitos dos brasileiros só descubram o filme por que foi indicado ao Academy Awards.
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Os artistas produtores de animações nacionais vêm dando mostras de uma ânsia de produção cultural de qualidade já há bastante tempo. Produziram o “hippie” ‘Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock'n'Roll’ de 2006, o “criticamente histórico” ‘Uma História de Amor e Fúria’ de 2013 (dirigido por Luiz Bolognesi, também vencedor do Prêmio Annecy em 2013), o gaúcho ‘Até que a Sbornia nos Separe’ de 2014, além dos filmes e séries da “Turma da Mônica”, entre outros. Até com longas-metragens de computação gráfica 3D se aventuraram, como o vanguardista ‘Cassiopeia’ de 1996 e a simpaticíssima continuação de ‘O Grilo Feliz’ de 2001, ‘O Grilo Feliz e os Insetos Gigantes’ de 2009.
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‘O Menino e o Mundo’ é o segundo longa-metragem de animação do diretor Alê Abreu, que antes havia animado o encantador e didático ‘Garoto Cósmico’, onde já apresentava sinais de sua competência criativa. Conforme declarou em algumas entrevistas, seu segundo longa nasceu da ideia de produzir um documentário animado sobre as ditaduras. Durante o seu trabalho começou a imaginar um menino de traços simples em meio aos cenários que estava concebendo. E como a narrativa foi criada em meio a edição do que já havia feito, ele ganhou este jeito criativo e inovador que situa o menino em diversos contextos históricos-sociais.
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Suas pesquisas sobre governos ditatoriais se mesclaram de forma orgânica e crítica com a história do Brasil, da América Latina, as relações familiares e sociais, além de retratar os sentimentos das crianças que descobrem o mundo. Veem-se representações de situações como a dos “retirantes”, que têm que deixar as famílias para ir “ganhar a vida” nas grandes cidades. Viajamos pelas favelas onde esses trabalhadores mais pobres têm que ir morar. Como pano de fundo para tudo isso, temos a repressão do estado, os conflitos bélicos e a industrialização desenfreada, que destroem o meio-ambiente.
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Ao mesmo tempo acompanhamos de forma melancólica o garoto saindo em sua aventura de descobrimento, em busca do pai que não retorna para casa. Nos identificamos quando ele encontra a si mesmo adulto, retornando ao local onde morava, exemplificando um ciclo de gerações. No caminho quando ele encontra o pai, o mesmo está mudado, “calejado” pela vida difícil de trabalho pesado. Dessa forma ele vai tomando consciência, assim como nós durante a infância, de que o mundo nem sempre é um local agradável.
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Deste modo o filme animado consegue abordar temas sérios como a globalização, a crise econômica, a mudança de valores, o que agrada os adultos mais críticos. Mesmo abordando assuntos socialmente relevantes ele não esquece de divertir com sua explosão de cores e cenários deslumbrantes que atraem as crianças. Seu traço 2D é simples, quase como se fosse feito com um giz de cera, mas seus cenários são complexos, muitas vezes passando a sensação de serem tácteis. Muitas cenas são lúdicas, outras quase psicodélicas, principalmente as que remontam às guerras, dignas das que inovavam no longínquo ano de 1982, no filme ‘The Wall’ do Pink Floyd. O próprio personagem principal, que lembra os desenhos simples de “tracinhos” que fazíamos em nossos cadernos escolares, tem uma vitalidade e personalidade muito cativantes.
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E tudo isso é conseguido praticamente sem diálogos, pois os únicos presentes são em uma Língua Portuguesa invertida e ininteligível, dando uma aura de mistério para aquele mundo. Embalado por músicas da Barbatuques, Naná Vasconcelos, Emicida e GEM (Grupo Experimental de Música). Com destaque para a canção tema de Emicida – ‘Aos olhos de uma criança’, que nas palavras do diretor “se encaixou perfeitamente”. Os músicos também participaram da dublagem do filme que traz as vozes de Emicida, Vinicius Garcia, Nana Vasconcelos, Alê Abreu e Melissa Garcia que tiveram a difícil missão de falar “de trás para frente”.
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Agora o “tupiniquim” conhecido pelos gringos como ‘Boy & the World’ e na França como ‘Le Garçon et le Monde’ tem a missão de representar o Brasil no Oscar 2016. Sua indicação já é uma vitória e um conforto, já que nosso melhor filme de 2015 ‘Que Horas Ela volta?’, ficou de fora. Todas as animações que concorrem merecem pela sua qualidade técnica e já são vencedoras só de estarem concorrendo, mas como é uma competição, nosso principal concorrente aparentemente é o filme da Pixar ‘Divertida Mente’ (2015).
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A animação norte americana produzida pelo braço da Disney teve um orçamente de 200 milhões de dólares, enquanto o brasileiro apenas 2 milhões de reais. É muito provável que como prêmio de uma indústria, o primeiro seja o mais votado pelos membros que pertencem a esse mercado. Entretanto, se o critério fosse realmente “meritocratico” ‘O Menino e o Mundo’ seria merecedor pelo que fez com a restrição de orçamento; e comparado ao principal rival é mais inovador. Ainda que ‘Inside Out’ seja um dos melhores filmes da Pixar é inegável que seus filmes já estão todos um tanto parecidos demais, tanto que antes deste, a empresa criadora da nostálgica franquia “Toy Story” passou por um hiato na sua genialidade criativa nos últimos anos.
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Alê Abreu e Luiz Bolognesi já anunciaram que vão produzir suas próximas animações em parceria, por isso, podemos esperar que a cooperação renda bons frutos e que continuemos tendo muitos filmes de qualidade, dentro do gênero, nos próximos anos.