Não. Não sou, nem de longe, um bom indicado para falar sobre cinema nacional. Tenho que confessar que minha bagagem cultural carrega bem menos produções desse tipo do que me orgulharia em dizer. Mas muitos hão de convir comigo que não é preciso um conhecimento enciclopédico do assunto para perceber que nosso cinema carece de bons filmes que tenham grande visibilidade. Talvez seja por esse motivo bobo que só agora, quatro anos depois, tenha reunido disposição suficiente pra conferir esse filme, que à época de seu lançamento estivera coberto pelos holofotes da mídia. Mordi a língua. E, puxa, como fiquei feliz por isso.
Benjamin, o personagem principal, é apresentado em uma ótima cena inicial, cheia de sorrisos e que explora a alegria do ambiente em que ele vive. Mas logo somos jogados à realidade que irá perpassar por toda a estrutura do filme. Não se trata de um filme sobre alegria, mas sobre a decadência do personagem, que há tantos faz rir, mas é incapaz de encontrar ele mesmo sua felicidade.
A construção de personagem em torno do palhaço é de uma estrutura incrível. Em alguns momentos me peguei lembrando de "Taxi Driver", principalmente nas cenas em que o personagem mostra um turbilhão de emoções, mas sem uma linha de diálogo sequer. Essa é uma das maravilhas do audiovisual. Não fale, mostre.
A estrutura do filme é belíssima. Há vários momentos memoráveis nesse sentido. Um que me chamou bastante a atenção está em uma espécie de repetição da cena inicial em que Benjamin nos foi apresentado. Aquela fora a única cena verdadeiramente alegre do filme até então. Após isso, começamos a conhecer melhor o personagem e conhecer sua dor. E é por isso que, quando o vimos se preparar para entrar em cena novamente, ficamos ansiosos para ver de onde virá a alegria que ele exerce em cena, como havíamos visto no início do filme. Mas ela não vem. A decadência e a dor dessa cena são de uma sensibilidade maravilhosa. Impossível não se emocionar com essa contraposição.
Em outra cena memorável, há um diálogo maravilhoso entre o personagem de Selton Mello e a atriz Fabiana Karla. Mais uma vez a contraposição de sentimentos enche a tela e a frase "você é engraçado" dita a um Benjamin aos prantos sublinha a contraposição do filme. Certamente vou lembrar dessa cena.
Por fim, vale destacar a personagem Guilhermina, que não possui fala nenhuma durante quase a totalidade do longa. Muitas vezes ela simboliza o próprio espectador, ao observar, atônita, a sequência de eventos. Mas chamo a atenção para ela pois a sequência final de eventos que traz de volta a alegria do início do filme gira em torno de Guilhermina. De certa forma, a inocência e infantilidade da personagem se comportam como um antídoto à decadência de Benjamin.