"Psiu, Elvira, Elvira, aqui, sou eu... o liquidificador" é assim que começa o extravagante relacionamento entre Elvira (Ana Lúcia Torre) e seu Liquidificador (Voz de Selton Melo), que logicamente pensa que está caduca, mas ao ter que explicar o que é caduquice ao seu novo amigo, descobre que arranjou realmente um diferente e sagaz aliado. Um filme quimérico, como poucos feitos aqui no Brasil, atípico certamente muito diferente das coisas que os telespectadores brasileiros estão acostumados a degustar. Reflexões de um Liquidificador é um filme irreverente e absurdamente surpreendente em tudo que se possa imaginar. Um elenco pequeno, mas que não deixa nada a desejar. Cheguei a imaginar outra pessoa no lugar de Ana Lúcia Torre, talvez Laura Cardoso, mas aos poucos fica claro que não há mudança necessária, essa atriz da um show de interpretação e torna-se insubstituível nesse longa.
Um liquidificador que depois de ter uma de suas peças trocadas, ganha vida e desencadeia a particularidade de ver, ouvir, pensar e refletir sobre o mundo ao seu redor. Passa os dias fazendo vitaminas e sucos dos mais variados tipos e para um grande número de fregueses da lanchonete que seus donos possuem - Dona Elvira e Seu Onofre. Depois do fechamento da lanchonete ele passa a ser um utensílio doméstico e se sentindo cada vez mais solitário resolve se apresentar a sua dona, que por sua vez, leva uma vida de dona de casa num bairro periférico, só tendo contato com seu esposo, que após o fechamento da lanchonete, conseguiu um emprego de vigia noturno, o Carteiro, sua vizinha muito bem interpretada por Fabíula Nascimento e o seu liquidificador. A intensificação da relação entre os dois se dá em torno do desaparecimento de Onofre, o esposo de Elvira, que agora fica em casa o dia todo sozinha com o liquidificar, tendo apenas as visitas da vizinha Milena, do Carteiro e do Investigador que fora designado para cuidar do caso do desaparecimento. Na medida em que a trama vai se desenrolando, não se sente falta de outros personagens, pois os diálogos entre o liquidificador e sua dona são mais que suficientes para manter o telespectador saciado diante da tela e ao ser desvendado o desaparecimento de seu Onofre é revelada a ligação macabra entre Elvira e seu cúmplice eletrodoméstico em uma das cenas mais excitantes, sádica, perversas e excêntricas que o cinema brasileiro certamente até hoje já pôde produzir, a coisa é tão bem feita, mas tão bem feita que o que poderia ser chocante, escandaloso e hediondo, torna-se totalmente agradável, leve, necessária, reveladora e inspiradora.
Reflexões de um Liquidificar traz planos, enquadramento e montagem de cenário perfeitas, humor negro, diálogos contundentes filosóficos de um motor e uma atmosfera cômica sombria sobre toda a situação inusitada, mas em momento alguma faz parecer "absurda ou exorbitante". Como diz o Liquidificar, "ser máquina, ser motor, aliás, não ser gente já é uma forma de ser feliz.", e isso é passado delicadamente aos telespectadores, afinal "moer é pensar, pensar é moer" e certamente esse filme garantirá a certeza de moer muita coisa além de altas gargalhadas.