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    O Bem Amado
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    O Bem Amado

    Sucupira Brasileira

    por Francisco Russo

    Nem sempre a crítica direta é o melhor meio de atingir um objetivo. Às vezes por parecer ofensiva demais, trazendo uma dose desnecessária de agressividade, outras pelo fato de que a conjuntura de momento impede que tal opinião seja expressa livremente. Foi o que aconteceu com Dias Gomes quando escreveu "O Bem Amado", em 1962. Sem sequer imaginar o sucesso que seus personagens teriam, o autor tinha um alvo certo: a politicagem. O universo de Sucupira, a fictícia cidade onde a história ocorre, e seu protagonista Odorico Paraguaçu nada mais são do que a representação da realidade brasileira. Uma associação que Guel Arraes sabiamente reforça ao longo de boa parte de O Bem Amado, o filme.

    A começar pelo momento histórico em que a trama ocorre. Logo de início é apresentado um paralelo, evocando para a cidade de Odorico a polarização mundial entre capitalistas e socialistas. O conturbado momento nacional, com a renúncia de Jânio Quadros, também é lembrado para mostrar que, assim como no Brasil, Sucupira enfrenta problemas sérios. É em meio a este turbilhão que nasce a grande disputa política que permeia todo o filme, entre o popular Odorico Paraguaçu (Marco Nanini, caprichando na lábia) e o esquerdista Vladimir (Tonico Pereira, desesperadamente exagerado). Nenhum dos lados é poupado nem é formado algum juízo de valor. A intenção não é mostrar quem está certo, mas que ambos estão errados. Não pelo que lutam, mas pela forma como agem para atingir seus objetivos. Da mesma forma errado está o povo, por aceitar a mudança de nomes sem que algo de efetivo seja alterado na estrutura política vigente.

    Uma crítica deste porte, feita de forma direta, dói. Para amenizá-la é então usada a comédia. Assim a realidade pode ser apresentada, mascarada por personagens e situações que gerem risadas. O produto torna-se popular, fazendo com que a mensagem original chegue ao público, mesmo que de forma oculta. Esta foi a sabedoria de Dias Gomes, que soube criticar o status quo através de uma história rica em personagens. Este é também o mérito do filme, por manter este intuito e fazer dele a mola mestra de sua trama.

    É claro que personagens antológicos como Zeca Diabo, Dirceu Borboleta, as irmãs Cajazeiras e o próprio Odorico ajudam bastante neste objetivo. O Bem Amado critica mas também diverte, graças principalmente ao extenso e peculiar vocabulário de seu protagonista. Seja através de palavras inventadas, mas compreensíveis dentro da língua portuguesa, ou de expressões como "vim de branco para ser mais claro", ditas ao povo. Normal, faz parte do politiquês. E, também por isso, divertido. Por permitir que o espectador não apenas ria da forma como é apresentado mas também por realizar, ele próprio, um paralelo com o que acontece na vida real. É a mensagem original, mais uma vez, atingindo seu objetivo.

    O Bem Amado conta também com a força de seu elenco coadjuvante. O sisudo José Wilker e seu andar endurecido, a espevitada Drica Moraes e o atrapalhado e ingênuo Matheus Nachtergaele brilham em cena. Mesmo aqueles que não conhecem os personagens, graças à peça teatral e à novela nela baseada, são rapidamente atraídos por seu vigor e peculiaridade dentro da história. O diretor Guel Arraes ainda encontra espaço para uma de suas marcas registradas, a mescla de estilos, ao apresentar uma divertida citação às fotonovelas. Até mesmo o inevitável merchandising, uma praga em boa parte do cinema nacional, aparece de forma mais leve, adequado à época em que a história se passa.

    O Bem Amado é um filme que não apenas diverte mas também tem algo a dizer. Entretanto, peca pelo exagero em seu final. A ânsia em tornar mais explícita a crítica, associando à existência da democracia, gera um final estranho, de certa forma desconjuntado em relação à história. A própria associação de Sucupira ao Brasil também é desnecessária. Afinal de contas, a crítica está presente em todo o texto, em cada fala e ato dos personagens. E, como Dias Gomes bem sabia, para bom entendedor meia palavra basta.

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