Drama que retrata o contexto periférico na capital paulista, a obra do diretor Sergio Bianchi não tem paredes ornamentadas com obras de designs modernos e decoração de luxo, como nas novelas da Globo. A obra com permanentes imagens das paisagens de tijolos baianos à vista, casas sem reboco ou com aparência de inacabadas ainda não é favela, o que seria ainda mais impactante e trabalhoso para o diretor do filme. Contudo, seu grande contribuiu para que a obra retratasse, à grosso modo, uma realidade que pede socorro. A realidade de quem vive à margem da sociedade não è comum a todo cidadão. Não imagino o simples homem do campo que ainda consegue viver com um pouco mais de tranquilidade vivenciar o flagelo do Capão Redondo, Jardim Ângela, São Miguel. Tão pouco os afortunados que conseguem viver numa sociedade à parte, com grandes investimentos, principalmente em segurança. Mesmo a classe média, frágil e amedrontada não sente o drama com a mesma frequência de quem vive meio a frequentes tiroteios entre traficantes disputando o controle do tráfico. Nada de estereótipo de favela, trata-se do dia-a-dia da realidade suburbana em um nicho social sem o menor empenho em planejamento urbano, um dos fatores condicionantes à criminalidade. O sujeito, sem maiores perspectivas e qualidades de vida digna é uma presa da exclusão e vive na corda bamba, driblando as dificuldades financeiras e cercado pela tentação à uma vida pragmática, com um 38 na mão e consequentemente um fim trágico. A casa ao lado, um lar simples de pessoas trabalhadoras e honestas é o resgate de uma face ocultada por quem os olha com ar de preconceito, principalmente quando se cruza a ponte da Zona Sul e vai curtir um rolezinho nos shoppings dos bacanas. Com um enredo coerente ao contexto de periferia, a obra decorre em intervalos de tensão e suspense despertando o telespectador para o cotidiano sofrível e a vida tensa do cidadão de bem da periferia, sem menosprezar a violência interna, criada a partir dos fatores condicionantes à falta de oportunidades, uma ferida social que molda o perfil criminoso e cruel dos que são tragados pelo submundo das drogas e da marginalidade. Além disso, mesmo sem os contrastes sociais aparentes, cria-se no imaginário de quem assiste ao filme a perspectiva do grande abismo que separa pobres e ricos na cidade mais rica do país. O pano de fundo da obra é a periferia paulistana e só quem nunca morou na periferia não é capaz de sentir o drama e o medo que é conviver diretamente com a violência, fruto da discrepância social latente em nosso país. Este sentimento é o sentimento do cidadão periférico, trabalhador e honesto, que acorda de madrugada para pegar busões lotados, que deixa seus filhos em casa dormindo e não sabe se vai voltar pra casa e encontrar a família em paz após um dia de trabalho estressante. Além disso, o filme faz críticas às condições do trabalhador explorado, mal remunerado e com direitos trabalhistas subtraídos. Algo que tira o sono da classe empresarial e arrepia só de pensar, os impostos trabalhistas. Se pudessem, escravizariam sem nenhuma dó. Coincidentemente, a imprensa tem divulgado casos de trabalhadores em condições precárias, brasileiro e até estrangeiros sofrendo nas mãos de aliciadores de empresas como a Ellus e a Renner. Sem citar as empregadas domésticas que só no governo Lula tiveram seus direitos reconhecidos, após uma batalha na Câmara e no Senado. Era o retrato da Casa Grande lastimando a ausência da empregada muitas vezes destinada a um quartinho minúsculo, junto à lavanderia, nos fundos, lembrando a Senzala. Diferentemente da violência que adentra o solo dos grandes centros, a periferia é precária em assistência social, não tem “guarda patrimonial”, seguranças particulares, não tem playground, cerca elétrica, não tem bibliotecas, shoppings centers. Conta com infraestrutura precária. Falta lazer, segurança e a polícia, bem, se chamar até aparece. O lema, até pouco tempo atrás era assim: “Periferia é assim, assim que é, se vacilar não para em pé”.