Pobreza e delinquência
por Bruno CarmeloEste filme cubano começa com um retrato empolgante da juventude cubana. Através da história de dois irmãos gêmeos, Lila (Anailín de la Rúa de la Torre) e Elio (Javier Nuñez Florian), a câmera se posiciona no meio dos adolescentes para observá-los nadando, correndo, andando de bicicleta, provocando uns aos outros, sorrindo e se divertindo. Como nos primeiros filmes de Larry Clark (Kids) ou Catherine Hardwicke (Aos Treze), os jovens são retratados com gestos, palavreado e atividades bastante realistas.
Logo, a diretora Lucy Mulloy desvia o seu olhar, privilegiando a sociedade como um todo ao invés de um pequeno grupo de indivíduos. O retrato da cineasta não é nada otimista: todas as famílias são fragmentadas, os homens são machistas e desprezíveis, e as mulheres, apenas donas de casa submissas. Aos jovens garotos, a melhor perspectiva é a delinquência, e às garotas, a prostituição parece um caminho provável. Em menos de vinte minutos, os protagonistas são incluídos nesse cenário desolador: Lila observa o pai traindo a mãe, Elio ama em segredo o colega Raul (Dariel Arrechaga) e é perseguido por um patrão tirânico, já o próprio Raul tenta ajudar sua mãe, uma prostituta com o vírus HIV, enquanto é procurado pela polícia por roubos e por um acidente envolvendo um turista.
O roteiro faz uma associação direta entre pobreza e delinquência, como se o primeiro fosse uma causa inevitável do segundo. Uma Noite tem um olhar social, mas não político: não se enxerga o contexto desfavorável como fruto de práticas do governo ou de algum poder específico, e sim como o resultado moral de uma vida desregrada, marcada por violência, sexo e drogas. Neste sentido, o filme pode ser considerado conformista, embora ele nunca realmente culpe os seus personagens pelas más escolhas que fazem. O sistema social cubano é apresentado como um mal crônico, disfuncional, sem vítimas nem culpados.
Durante uma hora de narrativa, a câmera cola no trio central, mostrando Elio e Raul fugindo da polícia, dos vizinhos ou do patrão. A diretora, com curiosidade, às vezes desvia o olhar para um mendigo nas ruas, ou para uma mulher idosa na janela. Enquanto isso, Lila mal tem função narrativa, servindo como comentarista da história, oferecendo uma narração melancólica do país. “Eu nunca gostei do mar, mas ele me atrai”, ela diz. O mesmo parece valer para todos os habitantes locais, que veem na fuga para os Estados Unidos a única solução possível de ascensão social. Uma Noite, como seus personagens, parece ter carinho por Cuba, apesar de ter abandonado a esperança de que o país melhore. A ilha é apresentada como aquele pai ou mãe cheio de defeitos, altamente repreensível e incorrigível, mas que a gente ama por ser o nosso.
Justamente, o abandono da ilha aparece na trama como sinal de maturidade. É preciso lançar-se ao mar, em uma trajetória quase suicida, para se tornar adulto. Por esta razão, quando o trio de personagens enfim sobe no bote e se distancia da ilha, cada um faz sua rápida perda da inocência: Lila menstrua pela primeira vez, Elio assume sua homossexualidade e Raul admite, enfim, que provavelmente nunca encontrará seu pai em Miami. O roteiro tem diversos laços soltos para resolver em pouco tempo, em um espaço tão limitado, mas a cineasta mostra um domínio invejável dos enquadramentos e do ritmo. Seu desempenho é menos impressionante, no entanto, quando começa a aplicar as regras do filme de aventura para o final da travessia, com a chegada de tubarões e outros perigos.
Por fim, Uma Noite consegue manter seus pés em terra firme, com um discurso social amargo. A estética belíssima, com cores fortes e luz natural ressaltando a pele dos personagens, pode gerar o mesmo tipo de crítica que até hoje assombra Cidade de Deus, no que diz respeito à estetização da miséria. Pelo menos Mulloy, contrariamente a Meirelles, mantém sob controle o desejo de fazer um filme de ação inspirado em blockbusters americanos. Seu discurso social pode ser questionável, assim como algumas escolhas estéticas, mas o filme é capaz de despertar uma boa reflexão. Uma Noite tem o mérito de tomar partido sobre o seu tema, defendendo com ousadia uma visão pessoal do mundo e do cinema.