A verdade nua, crua e sempre...
Existe pior defeito que a mentira? Pra mim, não. Perco completamente o interesse em dividir pensamentos ou parte da minha vida com uma pessoa quando desconfio ou descubro algo de falso nela. É automático, sou movido à verdade. Mesmo porque, assim como todo ser humano, já errei, já pequei, já menti e vi que não é o melhor caminho a se seguir. Mesmo se for uma mentirinha boba, sem tamanho, banal, o resultado é sempre trágico. A mentira é tipo a idade: não dá pra escondê-la por muito tempo. Mentir sobre a idade, então, é pior ainda...
Há duas semanas, fui ao Cineart Ponteio (que, por sinal, falo bem a verdade quando afirmo que lá é o melhor cinema da cidade) e assisti ao filme “A Sorte em Suas Mãos”, do diretor argentino Daniel Burman. Já que não é pra mentir, tenho um certo preconceito com os filmes em espanhol, só curto Almodóvar. Mas me surpreendi com essa comédia romântica justamente porque trouxe uma boa reflexão. No filme, Uriel (Jorge Drexler) é um quarentão viciado em pôquer, separado, pai de dois filhos, que não está nem aí pra família e não consegue namorar. Por acaso, ele reencontra Gloria (Valeria Bertuccelli), uma paixão da adolescência que o largou sem muitas explicações. Agora, mais maduros do que no namorico do passado, os dois são capazes de se divertir mais, superando os pequenos acidentes de percurso. O problema é que Uriel inventou algumas mentirinhas a respeito de si mesmo e, num beco sem saída, não sabe como assumi-las. Ele tem medo de perder Gloria de novo e, por isso, mente também a si mesmo e deixa a bola de neve só aumentar. Todos nós sabemos onde isso tudo vai parar...
Nesse desvio tão insignificante, a reflexão é feita: numa conversa de Uriel com um judeu, ele descobre o real significado das palavras “mentira” e “verdade”, tradução em hebraico de sheqer e emet, respectivamente. Nas três letras hebraicas que formam cada uma das duas opostas palavras, percebe-se a desordem, a disfunção e a instabilidade em uma, e a organização, o alicerce e a certeza em outra. É aí que o protagonista começa a entender que o que vale nesta vida é sermos nós mesmos. Não importa se ele trabalha numa financeira herdada pelo pai ou se não tem o status que sempre sonhou ter. Ele tem filhos, família, trabalho, dignidade, motivos para se alegrar, se orgulhar, amar...
Às vezes, você esquece que é vigiado por si próprio, que tem uma consciência que deve guiá-lo por onde passe. Que, ao praticar uma mentirinha que seja, está jogando contra o seu próprio time, perdendo gols, cometendo faltas e, mais cedo ou mais tarde, será expulso de campo. Não há mentira sem risco, não há verdade sem solução. Não existe mentira sem dor, não tem verdade sem amor. A mentira é o alvo certeiro do descaso, a verdade é a promessa de uma vida moldada naquilo que é sincero.
Não sou nenhum filósofo, muito menos um acadêmico analítico para me aprofundar se toda verdade é relativa ou absoluta, subjetiva ou perceptiva. Estou aqui apenas instigado após ver um filme leve e despretensioso, que me guiou a pensar por esse lado: é preferível ser alegre que ser triste, a verdade, definitivamente, é a melhor coisa que existe.