Obra-prima. Essa é uma das únicas palavras que pode se tornar adjetivo aos trabalhos do diretor Alejandro González Iñárritu. O mexicano que veio a estourar recentemente com Birdman (Ou a Inesperada Virtude da Ignorância) (2015) e deu a Leonardo DeCaprio a oportunidade de ganhar o Oscar com O Regresso (2016) já vinha provando talento impecável desde o início dos anos 2000. E não fugindo de exemplos, a dramaturgia Babel (2006), na qual o diretor repete pela terceira vez parceria com o roteirista Guilhermo Arriaga, se aplica ao conceito de obra-prima em todos os aspectos possíveis.
O país é Marrocos e dois irmãos, Ahmed (Said Tarchani) e Youssef (Boubker At El Caid) possuem um rifle em mãos para proteger as ovelhas dos chacais. Quando vão experimentá-lo acabam acertando num ônibus e mal imaginam que a bala na verdade acertara uma turista americana: Susan (Cate Blanchett) que estava de viagem com o esposo Richard (Brad Pitt). Então várias ações se desencadeiam e o filme começa a mostrar como a ação dos dois irmãos afeta a vida de pessoas em vários pontos do mundo — de Marrocos ao Japão.
O filme de Añárritu foi indicado pela Academia a sete Oscar's e não é por menos: Babel se torna um dos melhores filmes do diretor ultrapassando até em alguns aspectos o recente O Regresso. Para o cinéfilo disposto a gostar do filme, o longa deixará a sensação de que nunca viu algo igual desde a trilogia O Poderoso Chefão de Francis Ford Coppola — sim, pode acreditar!
Vamos começar aos poucos. O filme claramente é uma visão do diretor quanto ao mundo de como ele é atualmente — não no sentido literal. Com a ação dos dois irmãos marroquinos, vemos a herança Bush dos Estados Unidos da América se arrastar através da mídia e dos governos, que é nada mais que a paranoia do governo americano com ataques terroristas. E sendo assim vemos o governo rodando o mundo — literalmente — para achar os culpados e não medindo crueldades com os suspeitos enquanto a vítima agoniza de morte numa vila e a ajuda médica prometida pela Embaixada demora a chegar. E para terminar ainda há a mídia americana [Spoiler] noticiando que tudo finalmente acabou bem, sendo que do outro lado globo uma criança inocente morrera baleada aos olhos do pai e do irmão [Spoiler].
Outro núcleo da história se passa no México; após a bala ser disparada contra Susan, nos Estados Unidos a babá Amelia (Adriana Barraza) terá que ficar com os filhos dos patrões: Debbie Jones (Elle Fanning) e Mike (Nathan Gamble). A coisa desanda quando Amelia tem que comparecer ao casamento do filho mas não podendo deixar as crianças ao relento terá de levá-las junto ao México e com elas atravessar a fronteira. E através da decisão de Amelia, diretor e roteirista mostram como uma "simples" atitude gera uma proporção de grandes catástrofes. E todas elas se devem visivelmente, a partir da visão de Alejandro e Guilhermo Arriaga, quanto a imigração ilegal de mexicanos para os Estados Unidos, que ao atravessarem uma fronteira sem passaporte se tornam criminosos e sua submissão ao país imperialista. Em poucas cenas o filme nos mostra o absurdo que é a situação do país e da personagem Amelia tanto a confusão gerada por um problema até que simples.
E por último mas não menos importante temos o núcleo da história que se passa no Japão através do personagem Yasujiiro (Koji Yakusho) e sua filha surda Chieko (Rinko Kinkuchi); embora a bala disparada pelos irmãos não afete tanto a vida da família, Iñárritu e Guilhermo Arriaga bebem de uma fonte cultural para mostrar a alienação da adolescência japonesa e como ela desnuda a sociedade oriental, deixando um vazio nos adolescentes, vazio este que a personagem de Kinkuchi tenta desesperadamente preencher mas ao desenrolar do filme apenas aumenta. E apesar da vida de Chieko e de seu pai se destoar um pouco do resto da história e de se tornar mais como uma surpresa para o resto do filme, o núcleo que se passa no Japão não incomoda em nenhum aspecto. E pode acreditar, Iñárritu trabalha como ninguém a vida adolescente — ao mesmo tempo que bebe do pano de fundo cultural — e não se torna clichê em nenhum ponto.
endo assim, mesmo não usando uma linha de raciocínio cronológica para contar a história — indicando que talvez o filme esteja brincando com o elemento do fuso-horário —, Alejandro González Iñárritu e Guilhermino Arriaga costuram sua produção e traduzem a mensagem que querem transmitir através do título: as divergências globais e linguísticas, causa dos maiores problemas que cercam o filme e como tantas ações, mesmo que distantes, podem estar relacionadas a outras.
Tudo isso constrói um roteiro sólido, bem amarrada e redondinho que desenvolve no alto nível de excelência seus personagens, trabalhando relações humanas e suas atitudes de maneira impecável. A direção de Iñárritu colabora ainda mais prendendo o espectador e fazendo com que ele preste atenção a cada mínimo detalhe do filme e se sinta na obrigação de acompanhar até o final a drama, criando assim um ótima clima de tensão. E provando que sabe o que está fazendo, o diretor usa linguagens matafóricas impecáveis, chegando a abrir o filme com o marroquino carregando o rifle para vender a família dos irmãos Ahmed e Youssef: dos sons do passo a fotografia escura o vendedor acaba se tornando a imagem da Morte.
As atuações também são brilhantes e já que dispensam comentários o ponto alto vai para as crianças que dão um bom rendimento e um show de atuação que enriquece ainda mais o longa. Brad Pitt e Cate Blanchett ótimos atores que são, embora com poucas linhas de diálogos com atitudes traga o público para dentro do filme e faz com que ele acredite o quanto ruim a situação está. E para fechar o conjunto temos a trilha sonora, que com algumas notas de violão e de piano se encaixa na estética do filme e aumenta a carga dramática que ele carrega nas costas.
Talvez os americanos não aprovem o filme por um detalhe simples: não se vê muito da língua inglesa e Iñárritu comete mais um acerto. Fazendo uma obra-prima cinematográfica e elegante, Babel não só se concretiza na sétima arte mas também a carreira do diretor mexicano, que dedica o filme aos seus filhos, e do roteirista Guilhermino Arriaga. É impossível não se emocionar — de tensão a preocupação — com cada cena de um dos melhores trabalhos de Iñárritu.
Nota: 10/10