Virgem Maria no país das maravilhas
por Bruno CarmeloA família mórmon dos McKnight é marcada pela educação rigorosa e pelo contato limitado com pessoas fora da comunidade. Mesmo assim, todas as filhas receberam dos pais o mínimo de informações sobre como nascem os bebês, sobre absorventes e outros assuntos femininos. Rachel (Julia Garner), no entanto, parece mais ingênua do que as suas irmãs: quando fica grávida, ela acredita que a imaculada conceição aconteceu através de uma canção rock gravada em uma fita azul. Todos ao redor, igualmente religiosos, acham a hipótese ridícula, mas Rachel insiste nesta tese.
É justamente esta personagem pura que o roteiro envia para Las Vegas, terra de jogos, drogas e excessos, afim de procurar o pai da criança - ou seja, o músico que canta na tal fita cassete. A ideia é uma espécie de terapia de choque: levar o anjo às trevas, a Virgem Maria à terra dos pecadores. Felizmente, a diretora Rebecca Thomas não critica nem idealiza nenhuma das partes – tanto religiosos quanto roqueiros são respeitados -, embora trabalhe com a simples estrutura de opostos: os jovens rurais contra os urbanos, o conservador contra o progressista, a cor azul (da fita, do gesso de Dr. Will) contra o vermelho (dos óculos, dos néons).
Talvez, para levar esse filme a sério, o espectador precise abandonar a leitura realista e partir para o terreno da fábula. Em uma ótica realista, acontecimentos como a paixão súbita de um roqueiro (Rory Culkin) por Rachel, ou o milagroso encontro da garota com seu pai biológico são patéticos, improváveis, cômicos. Mas A Fita Azul se leva muitíssimo a sério, fazendo da viagem inusitada uma fábula universal de amadurecimento e descoberta da vida adulta. Através de uma leitura metafórica e psicanalítica – as luzes de Las Vegas como uma saída da ignorância, o fantasma do incesto, a descoberta do pai em um potente carro fálico – o filme pode ganhar um sentido um pouco mais interessante.
No elenco, o destaque fica por conta de Julia Garner. A jovem atriz de 19 anos de idade vem traçando um percurso interessante no cinema: depois de encarnar uma figura sensual e demoníaca em O Último Exorcismo: Parte II, ela interpretou com toda a seriedade uma garota canibal em Somos o Que Somos. Agora, consegue tornar verossímil a ideia do bebê Jesus nascido do rock. Com seus grandes olhos e hesitação expressa nos lábios e nas mãos, ela mantém a postura séria quando um roqueiro diz em voz alta aquilo que todo espectador deve estar pensando: “Você realmente acredita que essa fitinha colocou um bebê na sua barriga?”.
Méritos à parte, A Fita Azul decepciona pelo rumo que confere à trama. O problema não é o mote inusitado, e sim a variação de tons ao longo da trajetória. O roteiro passa do retrato social sobre a comunidade mórmon, no primeiro terço da história, à conclusão em que finalmente se assume como comédia, depois de passar pelo drama adolescente e pelo road movie surreal. Apesar de pouco coesa, a história ainda é agradável de assistir. Só não deve deixar nenhuma lembrança profunda na mente do espectador.