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    Fucking Different XXX
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Fucking Different XXX

    Isso também é cinema

    por Bruno Carmelo

    Dentre os mais de 400 filmes exibidos no Festival do Rio 2012, qual seria o mais ousado deles? O poético Holy Motors, de Leos Carax? O conceitual e belíssimo Bestiário, de Denis Côté? Acredito que dificilmente algum filme poderá ser mais ousado que o bizarro, provocador e voluntariamente tosco Fucking Different XXX.

    Esta produção representa uma raríssima entrada da cultura queer em solo brasileiro. Os estudos queer, bastante desenvolvidos nos Estados Unidos, defendem o fim da separação entre homem e mulher, ou seja, a superação das noções culturais que separam o masculino e o feminino. Nada de "mulher é mais delicada", "homem é mais agressivo", e também nada de separar os grupos gays, lésbicos e trans do resto da sociedade. A cultura queer acredita em uma espécie de pansexualismo, de vida fora das convenções sociais. Que você tenha nascido com um pênis ou uma vagina, você pode aproveitar do seu corpo como quiser, e com quem quiser.

    Aplicados ao cinema, estes conceitos libertários e anarquistas geram filmes igualmente radicais. Contra a maioria dos "filmes gays", que são meras histórias de amor açucaradas com dois homens ou duas mulheres, feitas geralmente por artistas gays, o queer quer ser capaz de olhar para o outro, e compreender os desejos de todo mundo. Nasce então Fucking Different XXX, uma coletânea de oito curtas-metragens dirigidos por um dream team do queer (Maria Beatty, Bruce LaBruce, Todd Verow etc.), onde cada um deve refletir sobre o prazer de corpos diferentes do seu, e enfrentar o tema da pornografia sem tabus.

    Por isso, os curtas são voluntariamente grotescos, exagerados. As cenas de sexo explícito envolvem frequentemente o estupro, o sadomasoquismo, mas também uma grande diversão e um sentido de inconsequência: essas histórias nunca acabam, nada vem interromper o sexo extremo dos personagens. Eles transam muitas vezes em locais públicos, e nada os impede. Há algo muito idealista e utópico nos prazeres deste filme, que difere da estratégia típica do pornô: enquanto a pornografia tradicional propõe a ilusão dos corpos perfeitos, em performances sexuais perfeitas, o queer prefere a ilusão de se poder transar com qualquer um, em qualquer lugar, quando der vontade.

    Tecnicamente, o filme adota a estética mais underground, amadora. Os diálogos são mal captados, os ruídos são altíssimos, a câmera treme por todos os lados, a montagem fragmenta as histórias e às vezes perde seu rumo. Existe uma sensação caseira, de urgência, típica das manifestações políticas, dos gritos de jovens que descem pelas ruas com placas e panfletos. Aliás, em meio a um festival do Rio repleto de filmes sobre a guerra do Iraque e a crise financeira, Fucking Different XXX é provavelmente a obra mais militante, tanto em seu conteúdo quanto em sua estética.

    "Mas não precisava ser tão agressivo!" Não era necessário mostrar um duplo fist fucking, uma penetração anal com um escovão, o jogo erótico de bolinhas entre duas garotas. Não, com certeza não era necessário. Mas este sempre foi o argumento mais estranho nas artes. O que raios é necessário em um filme? Até em grandes clássicos, a questão parece absurda: Coppola precisava ter colocado uma cabeça de cavalo em O Poderoso Chefão? Kubrick precisava ter escolhido música clássica para a violência de Laranja Mecânica? É claro que não. O cinema é feito de escolhas, e como a arte nunca teve utilidade prática e direta, nada pode ser considerado necessário. Os diretores de Fucking Different XXX optaram de maneira geral por esta mistura entre a diversão e a agressividade, talvez para quebrar a dicotomia entre o sagrado e o profano que envolve o sexo nas sociedades atuais.

    Por fim, acredito que não seja possível analisar este filme como se analisa uma obra convencional. Não se assiste a uma comédia como se assiste a um suspense ou a um drama, a uma mega produção hollywoodiana ou a uma videoarte, a um clipe musical ou a um vídeo escolar. Este filme estranho deve ser julgado como tal, em sua estranheza, como outras produções igualmente caseiras e underground. Esta é uma boa oportunidade de ver, dentro do Festival do Rio, uma produção que pretende, justamente, romper com os padrões dos "filmes de festival de grande qualidade" presentes em nosso circuito de arte.

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