Desconstruindo Violeta Parra
por Bruno CarmeloDesde o início, Violeta Foi Para o Céu consegue evitar o perigo da maioria das cinebiografias modernas, que é de transformar seu personagem em ídolo. Seguindo a noção romântica de arte, filmes como Ray ou Piaf - Um Hino ao Amor fazem das infâncias difíceis de seus músicos um motivo a mais para admirá-los, uma condição para a aparição do seu talento. Esta produção chilena foge do determinismo, tentando representar a carreira de Violeta Parra ao invés de explicá-la.
Não que as quase obrigatórias imagens da infância estejam ausentes: elas aparecem e ganham destaque através dos pais tempestuosos. Mas este retrato impressionista nunca cria um contexto, nunca delimita uma noção de espaço ou de tempo. Não existe antes ou depois, tampouco existem causa e consequência. Como em um álbum de retratos, o roteiro passa por episódios dispersos da vida de Violeta, tratados com a mesma importância que as metáforas lúdicas criadas pelo diretor (as amoras, a galinha, o gavião).
Um dos maiores acertos desta produção é apostar na fragmentação, no mosaico, ao invés da linha evolutiva. A carreira de Violeta nunca evolui, ela apenas continua, transforma-se, tanto para melhor quanto para pior. O filme não é contado pelos olhos da cantora e compositora, mas pelos olhares externos das pessoas ao redor, como garantia ética de sua inevitável subjetividade. Vemos Violeta sem julgá-la, nem admirá-la – duas reações que poderiam ser facilmente provocadas diante de tamanha obstinação artística e ideológica da cantora chilena.
Enquanto assistimos aos episódios quase aleatórios desta história, a montagem confere grande atenção ao som – algo fundamental em uma obra sobre um músico. As canções de Violeta Parra não são meros acompanhamentos para as imagens, elas ganham momentos autônomos, aparecem fora de sincronia, ditando a duração integral das cenas. As canções são utilizadas como ferramentas para a passagem de tempo; a trama geralmente salta de uma época à outra na duração de uma música. Ao dissociar o som e a imagem, o diretor Andrès Wood consegue fazer das canções um personagem independente.
Seguindo a linha da direção, que prefere o estranhamento ao sentimentalismo, Francisca Gavilán fornece uma atuação impressionante, entre fragilidade e agressividade, tratando Violeta Parra como uma mulher comum, de carne e osso, e não um ícone a colocar sobre um pedestal. Seu corpo, sua voz e seus olhares perfeitamente comuns evitam a performance de "diva", contornam o prazer narcisista de atuar para o olhar das câmeras, atuando apesar delas.
Por fim, Violeta Foi Para o Céu pode incomodar pela narrativa dispersa, pelo excesso de metáforas às vezes óbvias demais, mas tudo isso parte de um esforço mais do que louvável de desconstruir Violeta Parra ao invés de recompô-la em cena. Este belo filme chileno consegue a proeza de homenagear a cantora por sua música, e não por sua vida.