E como a música é importante, hein. Algo que toca no fundo da alma trazendo um sopro de esperança. E como o cinema é importante, hein. Algo capaz de nos transportar para longe de toda mediocridade à qual frequentemente somos submetidos e de nos fazer sonhar. Juntar os dois de forma impecável é um trabalho complicadíssimo, mas o diretor Malik Bendjelloul alcança esse feito com Searching for Sugar Man. E, pasmem, com um documentário.
O filme vencedor do Oscar de melhor documentário de 2013 conta a história da busca do cantor Sixto Rodriguez. Uma história incrível, por sinal. Digna de lenda urbana, como aquela de que Elvis não morreu ou que Paul McCartney morreu e foi substituído. Rodriguez foi um cantor e compositor que surgiu no final da década de 60, com um folk incrível e letras maravilhosas que lembravam Bob Dylan, mas que de acordo com Clarence Avant – antigo presidente da Motown Records - não tinha nenhuma semelhança porque Dylan era muito mais calmo. Sixto era algo mais visceral, fora da realidade. Já era uma figura mística em Detroit quando surgiu. Ninguém sabia onde encontrá-lo. Diziam que só era possível escutar seu vulto tocando nos bares mais imundos da cidade. Mas seu status de lenda aconteceu mesmo na África do Sul.
É no país de Nelson Mandela que toda a magia acontece. Coisas que só a música é capaz de proporcionar. Por casualidades da vida uma cópia do primeiro álbum de Sixto Rodriguez, Cold Fact, entrou no país que vivenciava o Apartheid em toda sua força, fazendo um sucesso tremendo. Junto com a música vieram as lendas de como aquela estrela do rock tinha morrido – uns diziam que após a última música de um show ele tinha jogado álcool em seu corpo e tocado fogo, queimando até morrer na frente de seus fãs estupefatos, enquanto outros diziam que ele tinha estourado seus miolos longe com um revolver na frente de espectadores atônitos. Entre tantos boatos a única verdade era que todos os sul-africanos escutavam aquelas músicas e tinham esperanças de dias melhores. O governo tentava impedir que aquelas letras transgressoras tocassem nas rádios riscando os vinis, enquanto a população se maravilhava com aquele homem que “nasceu para um propósito que crucifica sua mente”. E é mais fantástico ainda perceber como toda essa revolução foi causada sem querer por ele, mesmo Sixto sendo um homem extremamente politizado (foi até candidato à prefeitura de Detroit). Sua música influenciou músicos sul-africanos a gritarem por uma sociedade igual. E música pode mudar tudo, ah se pode!
Uma revolução tão grande causada por um artista desconhecido no seu país de origem. Ninguém conhecia Sixto Rodriguez nos Estados Unidos. Após um álbum de estreia extremamente promissor, um segundo álbum muito bom, o cantor é despedido duas semanas antes do Natal, como profetizou sua canção Cause, e desaparece completamente do mapa. E ao ser apresentado a toda essa sucessão de fatos, o espectador acaba vivenciando uma das mais interessantes críticas já feita à indústria fonográfica. Pois pode alguém que teve tanta influência em um momento tão importante da historia da humanidade como o Apartheid ser considerado um fracasso apenas porque não conseguiu vender milhares de discos? O que Sixto Rodriguez fez pouquíssimos seres humanos poderiam ter feito.
O desenvolvimento do filme é algo que empolga, prende. Mesmo se tratando de uma história real, bem conhecida pela maioria, a trama se desenvolve de uma forma que prende a atenção do espectador e o faz querer resolver aquele mistério musical junto com os dois sul-africanos que começaram toda a empreitada de descobrir o que realmente tinha acontecido com o homem de açúcar Rodriguez. E a trilha sonora é algo para qual qualquer comentário é pouco. A música de Rodriguez toca no fundo da alma. Suas melodias hipnotizam, suas letras prendem. Entender e sentir a magnitude dele só te faz questionar mais a fundo o que há de errado com a indústria musical.
Após assistir essa busca emocionante ao Sugar Man, é impossível ficar indiferente à história e ao ser humano Sixto Rodriguez. Um homem extremamente simples e humilde, que não tem vergonha de fazer aquele trabalho na construção civil que os demais não querem fazer. Um homem profundamente politizado, que ensina às suas filhas os mesmos ideais de igualdade que ensinou, mesmo que involuntariamente, a um povo que apenas precisava destes sonhos cantados para continuar a viver. Um gênio da música que não tem consciência do poder que tem. Enfim, um dos gigantes da história da música, quer a indústria fonográfica queira ou não.