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    O Batismo
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    O Batismo

    Uma história de violência

    por Bruno Carmelo

    Este filme polonês é cercado de mistérios. O título cristão parece indicar um drama, já a presença da bela Magda (Natalia Rybicka) encarando o espectador no cartaz oficial sugere um possível jogo de sedução. Mas os protagonistas são dois homens: Michal (Wojciech Zielinski) e Janek (Thomasz Schuchardt), antigos colegas de exército e de crime. Eles se reencontram durante uma semana, nos dias que antecedem o batismo do filho de Michal. A sombria relação entre eles é responsável pelo empolgante suspense de O Batismo.

    No início, a história distribui uma porção de pistas falsas para o espectador, dando a entender que o imaturo e explosivo Janek vai chegar à casa do colega, seduzir a esposa dele e conduzir Michal de volta à criminalidade, convencendo-o a aceitar mais uma vez as missões assassinas da máfia de Varsóvia. A velocidade deste início é impressionante, beirando o filme de ação hollywoodiano: alguns minutos após entrar na casa de Michal, Janek é visto passando as mãos no cabelo de Magda e urrando feito um animal, enquanto o “homem da casa” está convenientemente ausente.

    Aos poucos, os caminhos se tornam mais complexos. Embora o diretor Marcin Wrona opte por uma nervosa câmera na mão e uma fotografia suja, comum dos thrillers de ação, a história adquire um ritmo mais lento e voluntariamente monótono. O colega infantil mostra-se mais responsável do que se imaginava, e o pai de família tem suas explosões de fúria doméstica. A história desenvolve com cuidado e com riqueza psicológica a relação entre os dois, numa mistura de fraternidade, inveja, ciúme, competição e mesmo desejo sexual. Eles são brutos – assim como o próprio filme – e passam seu tempo dirigindo carros, bebendo, batendo em outros homens, atirando e lançando granadas pelo ar.

    Talvez o mais interessante em O Batismo seja o clima de claustrofobia crescente, que lembra algumas obras do austríaco Michael Haneke. A tensão cresce gradativamente, enquanto os planos se fecham nos rostos e nos cômodos sempre lisos, de cores neutras e sem objetos. A montagem ríspida elimina qualquer tendência ao naturalismo, enquanto letreiros indicam a passagem dos dias da semana. O tal batismo da criança, presente no título, é aguardado como o grande clímax e desfecho da história. Enquanto isso, Wrona delicia-se com a personagem ambígua de Magda, e com o olhar perturbador do excelente Schuchardt. O espectador nunca sabe se está diante de um drama, um filme policial, um romance ou uma verdadeira sessão de tortura gratuita (as cenas de assassinato da máfia, com planos abertos, fizeram alguns espectadores se levantar e sair da sala do cinema).

    Felizmente, a narrativa guarda o melhor para o final. Depois de tantas promessas de agressão, tanto sangue jorrado na tela, espera-se uma verdadeira carnificina na conclusão. Pois o final escolhido é de fato violento, mas a solução gera um conflito moral, mais do que físico. O Batismo ganha um significado novo nos últimos minutos, ao mesmo tempo surpreendente e respeitoso com a densa trama que o antecede. Quando os créditos desfilam abruptamente pela tela, percebe-se que esta é uma fábula amarga sobre a decadência de uma visão tradicional de homem e de poder em cidades grandes, com direito a potentes simbologias, como o afogamento, a pedra e a cerimônia do batismo.

    Outro ponto que merece ser destacado é a própria presença deste filme nas telas brasileiras. Deve-se felicitar a iniciativa de distribuidores como a Lume Filmes por trazer uma obra pequena e exigente, que dificilmente chegaria aos nossos cinemas, mesmo que vários anos se tenham passado desde a estreia – O Batismo data de 2010. Mas fica evidente a dificuldade dos distribuidores em vender essa obra ao público brasileiro, refletida no impertinente cartaz nacional e principalmente no trailer brasileiro, que insiste em um triângulo amoroso inexistente, tomando a decisão questionável de reeditar imagens de modo a parecer que Michal está testemunhando a sua esposa fazendo sexo com o amigo, quando na verdade é o próprio Michal que está nu com a esposa. A legenda brasileira, igualmente, mereceria mais atenção: alguns diálogos não têm o menor sentido, dando a impressão de que a versão brasileira foi feita às pressas, talvez traduzindo o texto a partir de alguma outra língua, ao invés do polonês original.

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