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    Os Incríveis 2
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Os Incríveis 2

    Salvar o mundo ou cuidar das crianças?

    por Bruno Carmelo

    Esta sequência parte de uma situação conhecida: o universo onde os super-heróis não são novidade, nem despertam admiração. Eles são rejeitados por suas diferenças e pelos danos colaterais causados durante as batalhas nas cidades. Esta também era a premissa do primeiro Os Incríveis, e de uma série de produções que pretendem inserir personagens sobrenaturais num mundo realista – vide o Homem de Aço, questionado por suas destruições, ou mesmo os X-Men, excluídos por sua diferença. Num mundo governado por humanos comuns, aqueles que não se encaixam na norma são vistos como inferiores. Por isso, Roberto Pêra, Helena Pêra e os três filhos levam uma vida entediante, sem utilizarem os poderes.

    A Disney/Pixar reproduz a divergência de ponto de vista entre os dois pais, privilegiando desta vez as mulheres. É Helena quem consegue voltar à ação, ainda que ilegalmente, enquanto o marido cuida das crianças. Por um lado, esta escolha permite dar protagonismo às figuras femininas – todas as reviravoltas são causadas por mulheres –, além de ressaltar a dificuldade do poderoso Roberto em cuidar de um bebê e dar atenção a Flecha e Violeta. Salvar o mundo e cuidar dos filhos são vistos como tarefas igualmente difíceis e importantes, algo louvável por valorizar funções normalmente associadas à mãe/esposa. Talvez os motivos que levem Helena a ser preferida em relação ao marido sejam um tanto frágeis, porém permitem o andamento entre duas tramas paralelas, assim como na animação original.

    Mais uma vez, o equilíbrio se dá entre as cenas de ação e o humor da vida doméstica. Durante boa parte da trama, a família Pêra está separada: enquanto a mãe combate o crime, o marido fica com as crianças, e depois, quando os adultos se unem, eles ficam separados dos filhos. A cada frenética cena de ação, um momento cômico impede que o projeto se leve a sério demais. Como de costume nos projetos da empresa e nos filmes dirigidos por Brad Bird, a produção é excepcional: a técnica de animação impressiona pelas texturas e pelo trabalho de luz, a trilha sonora é impecável (com composições típicas de James Bond, além de divertidos jingles para Mulher Elástica, Sr. Incrível e Gelado) e a montagem garante um ritmo agradável do início ao fim, sem as lentidões que costumam afetar o segundo terço das aventuras de ação.

    Apesar das evidentes qualidades técnicas, o roteiro tem seus problemas. O primeiro deles é a dificuldade de encontrar uma função narrativa a dois de seus principais alívios cômicos: o bebê Zezé e a estilista Edna Moda. O primeiro garante os momentos mais engraçados, mas é uma pena que a história não use ativamente seus poderes na resolução dos conflitos. As habilidades impressionantes da criança – que já tínhamos visto no final de Os Incríveis – permanecem no nível da sugestão. Já Edna ganha uma cena divertida, ainda que pouco relevante ao andamento da história. Além disso, a Pixar precisa encontrar maneiras mais orgânicas de apresentar seus vilões: a reviravolta do sujeito gentil que se revela maligno tem sido usada em todas as narrativas da empresa, de modo a se tornar esperada e mesmo óbvia.

    Algumas simbologias são particularmente interessantes: mesmo situada décadas atrás, a ideia de uma tela capaz de hipnotizar as pessoas é muito forte nesta época de vício tecnológico e proliferação de smartphones. O motivo pelo qual o Hipnotizador persegue os super-heróis (eles representam uma “troca da experiência real pela simulação”, em suas palavras) fornece uma interpretação complexa sobre a nossa relação com a representação do espetáculo em imagens. O incômodo de Helena com a necessidade de investir no marketing de suas ações também serve de crítica pertinente ao mundo das aparências. Todos estes elementos dialogam com os principais problemas da pós-modernidade, porém jamais se desenvolvem: tanto o Hipnotizador quanto o publicitário são descartados da narrativa sem que o filme consiga tirar alguma conclusão de suas mensagens.

    Os Incríveis 2 deve agradar muitos espectadores e decepcionar outros pelo mesmo motivo. O filme reproduz uma estrutura muito semelhante ao sucesso que lhe deu origem, reincidindo tanto nos pontos fortes – as intensas cenas de ação, o contato com a realidade – quanto nos pontos fracos – a dificuldade de unir as esferas pública e privada na vida dos Pêra, o fraco vilão. A dublagem brasileira, predominante entre as cópias disponíveis ao público, é certamente muito competente, embora tome liberdades excessivas no uso de linguagem informal (“Mão na roda!”, “Aê, moleque!”) e nas traduções culturais. Piadas sobre o Acre e Raul Gil despertam a curiosidade sobre o que os criadores norte-americanos realmente disseram, enquanto os brasileiros ganham uma versão que apaga traços de cultura alheia. Por fim, o segundo filme diverte bastante, mas não surpreende mais.

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