“De Coração Aberto” é um título muito interessante para o filme escrito e dirigido por Marion Laine. De uma certa maneira, o casal Mila (Juliette Binoche) e Javier (Édgar Ramírez) estão se expondo de forma nua e crua para a plateia, com suas qualidades e, principalmente, defeitos, no decorrer dos 87 minutos de duração do longa. Mais do que dividir uma vida em comum (já que são casados há dez anos), Mila e Javier também compartilham a mesma profissão (são médicos especializados em cirurgias cardiovasculares) e o mesmo ambiente de trabalho, além da intensidade de seus sentimentos, dos seus vícios e de suas experiências vividas.
Quando encontramos o casal nos primeiros momentos do filme, sabemos que eles estão em um momento crucial de suas vidas. O alcoolismo de Javier está prejudicando a sua vida como médico e, apesar de sua enorme competência, ele é, gradualmente, afastado de suas funções. Isso dá abertura para que Mila ascenda profissionalmente, ocupando, pouco a pouco, o espaço que antes era de seu marido. A divisão e o afastamento entre o casal se agrava ainda mais quando Mila descobre estar grávida – uma gravidez que ela não desejava, diga-se de passagem. É aqui que temos o desenho da questão principal abordada por “De Coração Aberto”: o retrato da captura daquele momento em que duas pessoas que, antes eram tão próximas e compartilhavam tantas coisas juntas, começam a trilhar caminhos completamente distintos e que não proporcionam a chance de volta.
Neste sentido, talvez, o ponto principal a se prestar atenção no roteiro escrito por Marion Laine com base no livro de Mathias Énard é a forma como o relacionamento entre Mila e Javier é construído. Javier é uma pessoa completamente cega pelo seu egoísmo, pelo seu ego enorme, pela sua vaidade e pelo alcoolismo que ele não consegue controlar. Por outro lado, Mila é aquela pessoa que coloca o outro, aquele a quem ela ama, como prioridade absoluta, a ponto de pôr seus próprios desejos e anseios em segundo plano somente para tentar ver se consegue ajudar Javier a sair do buraco em que ele se enfia, cada vez mais fundo. Um relacionamento como esse, de mão única, está fadado ao fracasso, uma vez que é muito desgastante de ser vivenciado, dia após dia.
Por estar justamente centrado na figura do casal, os pontos de maior destaque em “De Coração Aberto” são as atuações de Juliette Binoche e Édgar Ramírez. Acompanhar as diversas transformações pelas quais os dois personagens passam, no decorrer do filme, é, sem dúvida, muito forte, principalmente por causa dos caminhos percorridos pela trama escrita pela diretora Marion Laine. Apesar disso, ao final do filme fica a sensação de que 87 minutos foi muito pouco para desenvolver um roteiro que pedia um pouco mais de tempo em tela. De todo jeito, Laine chama a atenção pela forma como retrata os momentos mais tensos de sua trama. Ao utilizar imagens metafóricas que remetem diretamente aos maiores pontos de conflito vividos pelo casal, a diretora nos dá a chance de preenchermos, como bem quisermos – e entendermos –, as muitas lacunas que ficam na história.