Duas estrelas não fazem verão
por Vitória PratiniO que você sentiria se todos os seus pensamentos fossem "públicos"? Não estamos falando no estilo Professor Xavier de X-Men ou Edward de Crepúsculo, mas de uma população que tem tudo o que pensam exposto. É isso o que acontece em Mundo em Caos, filme estrelado por Tom Holland e Daisy Ridley. A ideia tinha um grande potencial de triunfo, mas a produção passou por inúmeros problemas que afetaram seu resultado final. A prova de que unir duas estrelas em ascensão em Hollywood, presentes em franquias como Universo Cinematográfico Marvel e a saga Star Wars, nem sempre significa a solução para a "fórmula de sucesso".
Inspirado no livro best-seller "Mundo em Caos" ("The Knife of Never Letting Go"), de Patrick Ness, o longa-metragem tem uma premissa mais do que promissora, mas acaba não conseguindo explorar os arcos narrativos de forma completa. Enquanto alguns parecem corridos ou inacabados, outros nem chegam a ser explicados — consequência de seis roteiristas diferentes, o que resultou em um enredo que mais parece uma colcha de retalhos.
A trama é ambientada em um futuro distópico no qual os humanos saíram da Terra e encontraram outro planeta para ser seu novo mundo. Só que este local é afetado pelo "Ruído", uma força que torna os pensamentos dos homens "audíveis" (não das mulheres). Neste contexto, somos apresentados de forma bem confusa, diga-se de passagem, a Todd Hewitt (Holland), um jovem que mora em um povoado onde só existem homens — todas as mulheres morreram. Até onde ele sabe, estão sozinhos neste mundo. Quando a nave de Viola (Ridley) cai no planeta em uma sequência que poderia muito bem substituir a cena de abertura, ela é a única sobrevivente. Assim, Todd conhece uma mulher pela primeira vez, enquanto controla seus próprios pensamentos perto da moça. O rapaz logo percebe que precisa salvar a vida dela, ameaçada pelo prefeito Prentiss (Mads Mikkelsen), seu filho Davy (Nick Jonas) e o pregador Aaron (David Oyelowo).
Mundo em Caos foi vítima de problemas na produção
Muitos dos problemas de Mundo em Caos têm a ver com a conturbada produção que passou por inúmeros roteiros e refilmagens após exibições iniciais criticadas, além de enfrentar diversos adiamentos. As filmagens ocorreram originalmente em 2017, na ocasião em que Tom Holland estava começando sua jornada como Homem-Aranha no Universo Cinematográfico Marvel e em que Daisy Ridley despontava como Rey na nova trilogia de sucesso de Star Wars. E os atores só conseguiram agenda para voltar aos personagens em 2019, data em que o filme estava previsto para chegar aos cinemas originalmente.
O resultado foi uma trama retalhada e mal construída, que prefere abordar a ponta do iceberg de diversas histórias, ao invés de se aprofundar em um arco completamente. Assim, muitos elementos parecem confusos e ficam sem explicação. A produção dirigida por Doug Liman (No Limite do Amanhã) não usa o tempo para explicar as motivações dos vilões, nem como Todd consegue controlar seu "Ruído" melhor do que outras pessoas, ou mesmo porque eles vivem em uma espécie de feudalismo. Os personagens de Mads Mikkelsen (Druk, Doutor Estranho) e David Oyelowo (Selma), excelentes nos papéis, não ganham tempo o suficiente de tela para brilhar. Com tantos takes e refilmagens, a montagem do filme também é pobre, com cenas corridas e alguns erros de continuísmo.
Tom Holland e Daisy Ridley entregam personagens carismáticos
O que "salva" Mundo em Caos é seu elenco repleto de nomes conhecidos e talentosos. Os atores fazem o seu melhor, apesar de terem suas atuações prejudicadas por roteiro, direção e montagem ruins.Inclusive, um dos pontos altos do filme é a relação entre Todd e Viola, personagens de Holland e Ridley, carismáticos. Tratam-se de dois jovens de dois universos completamente diferentes, que veem seus mundos colidirem. Ambos são ingênuos e buscam seu propósito nesta nova realidade — e nenhum deles sabe nada sobre a vivência do outro: nem Viola sobre como se virar no planeta, nem Todd sobre o espaço, a Terra e o universo feminino. Enquanto isso, Nick Jonas se esforça como um antagonista mal aproveitado.
Estética do filme parece Jogos Vorazes
Outro trunfo é o visual da produção. Mundo em Caos é claramente inspirado em Jogos Vorazes, já que os direitos da adaptação do livro de Patrick Ness aconteceram quando a saga de Katniss (Jennifer Lawrence) estava em alta. Além do mundo distópico e da aventura, os filmes compartilham a estética: cenários em florestas e cachoeiras, o jeito de filmar e um filtro fosco.
Já a representação do "Ruído", ou melhor, pensamentos acontece com "ondas sonoras" fluidas e de diferentes cores envoltas nas cabeças dos personagens. É uma forma bastante criativa de tornar palpável as ideias, lembranças e desejos. Cada alegoria do psicológico humano é única e consegue traduzir bem pensamentos tímidos, tristes, raivosos, altos e controladores. O Pregador, por exemplo, tem ideias fortes e perturbadoras, nas cores vermelha e amarela. Já o prefeito, que consegue controlar melhor seu Ruído, seduz os demais habitantes da vila como uma espécie de hipnose. Destaque positivo para a cena em que o personagem de Tom Holland enfrenta uma confusão mental, alta e confusa.
Mundo em Caos é um aguardado encontro de dois queridinhos de Hollywood. O filme tinha o potencial de transformar Tom Holland e Daisy Ridley as faces de nova saga de sucesso de fantasia e aventura para jovens adultos. Pelo menos, tem boas cenas de ação e entrega diversão. Pena que foi lançado no tempo errado. Afinal, mesmo Divergente teve suas controvérsias e foi alvo de críticas e, ainda assim, foi um sucesso de público. Mas, pensando bem, caso se tornasse uma franquia, talvez Tom Holland não tivesse voltado a ser o Homem-Aranha no Universo Cinematográfico Marvel.