Paradoxos
por Rodrigo TorresApenas um Garoto em Nova York é um paradoxo cinematográfico. Em um primeiro momento, positivamente: em uma narração em off de tom nostálgico, Jeff Bridges lembra um tempo em que o centro de NY era jovem, imprevisível, arrojado, movido pelas drogas, pontuando que isso mudou e agora a cidade se tornou um retrato de seu subúrbio de outrora: familiar e careta. Quando W.F. Gerald se materializa na tela, nos deparamos com outra contradição: o cronista pessimista não é um homem velho, gordo e barbado que rosna, um tipo como Charles Bukowski que realçaria perfeitamente os papéis recentes do ator veterano (vide os ótimos Bravura Indômita e A Qualquer Custo), mas um poeta galante, de penteado moderno e figurino hipster. Ué...?!
Contrastes assim são algo constante em Apenas um Garoto em Nova York. O protagonista Thomas Webb (Callum Turner) é o típico jovem nascido em berço de ouro que contraria a família indo morar na parte pobre de Manhattan, sozinho, e por suas escolhas acadêmicas e profissionais. Sua relação com o pai, Ethan (Pierce Brosnan), é de lados opostos; com a amante dele, Johanna (Kate Beckinsale), de ódio que vira amor, assumindo a via contrária dos sentimentos com o genitor. Sente pena da mãe, Judith (Cynthia Nixon), mas cogita feri-la para atacar o pai — de quem não gosta por causar essa mesma dor a ela. Enquanto suscita conflitos, movimentando a narrativa com boa cadência de suspense, tal dualidade funciona. O problema é quando texto e forma entram, involuntariamente, em confronto.
Enquanto o (medíocre) roteirista Allan Loeb discursa contra a alta sociedade nova-iorquina e seus deslumbres, Marc Webb filma esse cenário com fascínio — como se poderia esperar do diretor de (500) Dias Com Ela. Em dado momento, o cineasta deixa claro que Mimi (Kiersey Clemons) se apaixona por Thomas porque o jovem, enfim, passa a se comportar de modo atrevido; na cena seguinte, ela desiste dele por esse mesmo motivo, incompreensivelmente, e o texto dá o troco na imagem. O filme segue nessa confusão ao criticar o comportamento de uma elite que faz de um jantar um vernissage, que dialoga (de modo superficial e caricatural) sobre arte, cultura e tecnologia com o propósito da autoadulação, enquanto o roteiro também se apropria desse vício ao encaixar pérolas de intelectualidade e rebeldia simulada a todo instante. Há toda uma preocupação, uma fala específica, do letrado e descolado W.F. Gerald tascar: "Essa é a temperatura exata em que a heroína ferve." Os olhos se reviram automaticamente para trás, tão besta é a cena.
Uma espécie de "Quero Ser Woody Allen" em que os personagens são autoconscientes, analisam a si mesmos e aos outros, mas, em vez de se tornar mais provocantes, perdem toda a complexidade, Apenas um Garoto em Nova York ainda surpreende ao deixar sua aura indie à mercê do melodrama. Com muita inclinação e nenhuma vocação para isso, o filme assume uma sucessão de clichês (temos até inserção de "um ano depois..." no final) em prol de um dramalhão, o que ao menos se articula com todo o resto. As peças se encaixam de modo a conferir um desfecho (pretensamente) surpreendente e (satisfatoriamente) catártico à história — que, a bem da verdade, é simpática. Só não é suficiente para contornar o problemático desconhecimento de Webb sobre o poder e signo das imagens, e de Loeb sobre os rumos da trama; assim, tantas vezes incoerente.