Toda criança pode voar
por Bruno CarmeloEsta animação traz um encontro de opostos: de um lado, um garotinho sonhador, vivendo as dores de uma grave doença ao lado da família amorosa. Do outro lado, um adulto arrogante e agressivo, buscando provar aos colegas policiais o seu valor dentro da corporação. O primeiro existe dentro do universo do drama lúdico; o segundo, num suspense policial sombrio. A ideia dos diretores Alain Gagnol e Jean-Loup Felicioli é promover a união destes dois mundos.
Todo o aspecto infantil é muito bem desenvolvido. O roteiro dá conta de criar um garoto verossímil, com a mistura de curiosidade e incompreensão em relação à vida adulta típica de alguém de oito anos de idade. Ele ainda mistura fantasia e realidade, algo benéfico ao filme: nos instantes de devaneio, quando o garoto hospitalizado deixa o seu corpo e flutua pela cidade, a estética encontra formas fluidas e criativas para lidar com o medo da morte. Para um garoto preso a uma cama, a imaginação lhe oferecer a possibilidade de voar para onde quiser, tornando-se invisível. É uma ideia singela, mas poderosa.
Os cineastas demonstram uma sensibilidade dosada para o drama, retratando com grande respeito a fragilidade de cada membro da família de Léo. A irmã pequena, em especial, revela um universo interior semelhante ao do garoto: mesmo sem ter a possibilidade de se desprender do corpo, ela cria um universo de fantasia equivalente ao se comunicar com seres imaginários. Aos pais, cabe manter a expressão serena diante da criança enferma para não deprimi-la. Cinematograficamente, o universo infantil é muito mais rico, colorido, recheado de movimentos de câmera livres e uma trilha sonora espetacular, com temas envolventes compostos por uma orquestra.
Infelizmente, o aspecto policial de O Garoto Fantasma tem a mesma importância, ou talvez ainda maior, do que sua porção dramática. Compreende-se que o conflito envolvendo um super vilão seja simplório, afinal, o conceito é filtrado pelos olhos de uma criança. Mas o imaginário do crime resvala nos lugares comuns menos excitantes do gênero. Até quando vamos criar vilões com deformidades ou cicatrizes simbolizando sua falta de caráter? Até quando a moça precisará ser salva pelos homens, até quando o cenário de ação e policiamento são os Estados Unidos - especialmente esta curiosa Nova York onde todos falam francês?
Léo ajuda a combater um crime, algo empolgante para uma criança acamada. No entanto, as referências da vida real são fracas: nem o policial (voz de Edouard Baer) nem a repórter (Audrey Tautou) são desenvolvidos de modo suficiente, e os conflitos em jogo (um vírus eletrônico que vai “destruir o mundo”) se revelam vagos demais para despertarem tensão. Cada vez que o garoto frágil se enche de coragem e se desprende de seu corpo, ganhando um poder sobre-humano, a narrativa também se fortalece. Quando os adultos voltam a controlar a história, a magia desaparece.