Vi o filme (2049), meio de surpresa, versão dublada e fui totalmente desarmado para assistí-lo. Percebi que tenho uma estranha sensação de pertencimento do filme, por ter visto quase dez vezes no cinema e incontáveis em VHS e DVD, penso que o filme é meu, como pais que não querem que os filhos sejam divididos com nenhuma outra pessoa.
Antes fiz uma pesquisa do diretor, já tinha visto A Chegada, excelente filme de Denis Villeneuve, olhei também o ótimo Sicario e os estranhos O Homem Duplicado e Os Suspeitos. Sempre fui fã de filmes de diretores, Wenders, Herzog, Coppola, pensei que a assinatura na direção tinha morrido e o último dos moicanos fosse o Tarantino.
Percebo que Villeneuve tem uma marca forte que reúne som e imagem, ele tem capacidade de criar uma ideia de isolamento dos personagens, no som, se ouve sons do protagonista da cena e sons periféricos distantes, quase não existem sons intermediários. Nas imagens e tomadas essa bolha também é criada. Outra característica do diretor é criar um grande clima de suspense com lentidão, sombras, silêncio, mas sem culminar em um susto.
Quanto ao original, falar de um filme de ficção de 1982 onde não existia computação gráfica, porém é um primor de imagens, personagens, música, visões de futuro quase precisas e direção perfeitos. Mas o que o fez ser o meu filme preferido é a sua parte questionadora, não se Deckard também é um androide, mas sim qual a diferença de um androide para um humano, a existência ou não de uma alma? Ou apenas o aprimoramento de um em relação ao outro.
Vamos ao filme de 2017, existia um gancho muito interessante que foi deixado, ou não, no primeiro filme, uma passagem de bastão perfeita que o segundo corredor (Villeneuve) soube pegar com maestria. O filme aproveita tudo de ótimo do primeiro, com referências simples que chamam a atenção de quem cultua o original, close de pupilas, “o aproxima, direita..” da análise de imagens digitais, transpassar de paredes em brigas, do beijo da androide.. Não sei de tem ligação, mas a namorada virtual traz a lembrança do filme Her, outra obra prima.
O diretor é fiel ao clima do primeiro, muda um pouco o turno, o que era à noite e azulado, fica mais diurno e amarelo. Nos novos pontos criados (fábrica de memórias e o novo criador, Wallace substituindo Tyrell), o diretor coloca mais fortemente sua assinatura. Se o primeiro filme já era uma ficção para adultos esse é mais ainda. No primeiro, a busca por Tyrell era como a busca de Deus, o criador, para prolongar a vida, agora a busca é pelo pai, pelas origens. O tom filosófico, angustia existencialista, do original muda para um tom mais psicanalítico, porque me abandonaram, porque não me querem?
Outro ponto, apesar de dublado e a sala ressonar um pouco (vi em NH), não lembro de um filme com som tão bom quanto esse, não caiu no clichê de saturar na trilha sonora, mas existem timbres que vão muito além de ruídos. Não percebi nenhum clichê no filme, todas as referências ao original são perfeitas, a recriação da cena “quase final” (E todos esses momentos serão perdidos como lágrimas na chuva) é apresentada de modo magistral, e escrevendo isso agora, percebo que é quase uma antítese do original, quem ver o filme talvez perceba isso. É impossível, para um fã, não sentir um aperto, um espremer de sentimentos que inevitavelmente vertem em lágrimas.
Tenho que rever esse filme muitas e muitas vezes, gostaria de trocar ideias com quem viu o filme e para aqueles que não acreditam em uma continuação, ainda mais de clássicos e muito tempo depois eu respondo com os filmes Mad Max, Transpotting e agora Blade Runner 2049.