TÍTULO: O Voyerismo no Auge da Vida.
Uma das características e mais interessantes de se explorar no cinema sem que o filme se torne cansativo ou maçante é incitar um objeto, algo abstrato ou até mesmo um lugar como personagem essencial em um filme. O diretor Ilmar Raag, em sua mais nova produção Uma Dama Em Paris consegue explorar a cidade luz como elemento transformador do enredo e nas características dos personagens. O bom e velho espírito voyer se apodera da produção em estilos diversos.
O filme tem uma linearidade interessante em uma história bem trivial. Anne, personagem de Laine magi, excelente atriz estoniana, em uma singela e bonita performance, é uma mulher de meia idade que, após a morte da mãe, aceita cuidar de uma senhora, igualmente estoniana, que mora há anos em Paris. Essa senhora, chamada Frida, interpretada por uma das damas da atuação na França, Jeanne Moreau, possui grande resistência à acompanhante, algumas ideias suicidas, entre outros hábitos que distanciam a personagem de uma possível empatia, mesmo depois de um tempo em que as duas começam a interagir positivamente. Enfim, uma história que poderia soar como bem batida e já vista em inúmeras produções. Nesse aspecto, os roteiristas nos impactam com diversos recursos.
Agnes Freuve, Lise Machebouf e o próprio Ilmar Raag nos entrelaçam com o passado muito conturbado e boêmio de Frida e a necessidade do reconhecimento da mesma ao antigo amante e único protetor, Stéphane, interpretado muito bem por Patrick Pineau. Aliada a isso, há a duas vontades distintas desse último personagem mencionado: um, em se desgarrar de Frida, e não o faz por sentimento de culpa, visto que a senhora dera-lhe um cafè no passado; e a crescente atração que ele não consegue controlar em relação a Anne. Dessa maneira, a trama se torna interessantíssima, pois esse surpreso triângulo, vai mexer com a cabeça da velha senhora entre os amores passados e a única pessoa que cuida, verdadeiramente dela, e a Anne cuja solidão e necessidade de ser verdadeiramente amada perpassará as ações “epifânicas” da obra.
O mais bonito disso tudo é o âmago voyer, através de um olhar experiente da vida, que explicita o maior tema do filme: a solidão. Paris, nas longas caminhadas de Anne, acaba sendo um personagem acolhedor, que faz o espectador compenetrar na beleza que a vida pode ter, meio as adversidades grandiosas que a vida pode apresentar. Na verdade, converte o olhar para uma bela obra cinematográfica, explicitado uma direção leve, um roteiro singelo e atuações valorosas. Filmes que valorizam situações triviais e, nelas, observar a importância e a beleza do cotidiano levam a uma reflexão absolutamente essencial em uma realidade tão fútil. O voyerismo traz-nos essa sensibilidade de maneira muito doce.
Todas essas características somam a um final humano e esperançoso frente a solidão. O passar do tempo também é muito bem desenvolvido com a falta de proximidade dos filhos adultos de Anne e as sombras de Frida que parecem espantadas após uma noite de amor, sem sexo entre ela e Stéphane. Essas produções, como Uma Dama Em Paris, são tão gostosas que, impreterivelmente, convidam a todos a sentirem o sabor bom “vivã” que a existência pode nos oferecer.