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    A Datilógrafa
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    A Datilógrafa

    Esporte de mulheres

    por Bruno Carmelo

    A Datilógrafa é uma comédia romântica francesa tenta reproduzir, em pleno século XXI, o charme e a ingenuidade dos filmes americanos dos anos 1950, quando Audrey Hepburn e outras estrelas atuavam em tramas sobre as diferenças entre homens e mulheres. Desde então, as conquistas sociais femininas evoluíram bastante, de modo que a escolha vintage do diretor Regis Roinsard representava um risco artístico e comercial: se o filme tivesse uma boa bilheteria, seria acusado de apenas copiar um filão de sucesso; se fracasse, seria acusado de não se conformar à época atual. Na França, onde a produção superou a boa marca de um milhão de espectadores, prevaleceu a primeira acusação.

    Muitos críticos reclamaram da previsibilidade da trama. Ora, neste gênero em particular, a inovação narrativa sempre importou menos do que a recompensa de se encontrar a conclusão prometida. A Datilógrafa também baseia seu ritmo em outro subgênero repleto de fórmulas: o filme de esporte. Que a velocidade datilográfica seja considerada uma modalidade esportiva ou não, o roteiro trata Rose Pamphyle (Déborah François) como uma dessas boxeadoras ou corredoras prodígio que treinam, treinam até se tornarem as melhores de suas especialidades.

    Assim como em outras comédias românticas e em outros filmes de esporte, o que diferencia as histórias entre si acaba sendo o trabalho de direção, de atuação, de montagem. Nesses aspectos, felizmente, este bombom nostálgico francês se sai muito bem. O diretor estreante usa todos os recursos possíveis (muitos deles extraídos diretamente dos anos 1950, como os zooms amplos e a câmera girando em torno dos personagens) para transformar a datilografia, com suas mulheres sentadas diante de uma máquina, em uma competição emocionante, onde as grandes vencedoras superam suas qualificadíssimas concorrentes por míseras teclas de diferença.

    Infelizmente, quando a narrativa passa do campeonato francês para o campeonato mundial, a trama perde seu fôlego, e o diretor parece já ter esgotado os seus recursos de mise en scène. As competições face a face entre as finalistas francesas possuem um ritmo muito mais ágil do que a pálida final internacional, provável sinal de que a duração de duas horas é excessiva para uma obra do gênero. Mesmo assim, a trajetória ascendente e inevitável de A Datilógrafa é mantida pela velocidade da montagem, pela aceleração do tom das teclas e por alguns recursos de iluminação, inesperados e bem-vindos, como a cena de sexo em azul e vermelho.

    Apesar destas qualidades, o grande trunfo desta produção é, sem dúvida, a presença de Deborah François. Atuando diante de Romain Duris, um ator acostumado às comédias românticas, François revela um talento imenso, capaz de captar o tom das grandes divas românticas dos anos 1950, com um pouco mais de petulância e autoconfiança – afinal, a moça lê textos progressistas, como O Vermelho e o Negro e Madame Bovary.

    A trama exige que a atriz passe naturalmente da ingenuidade à malícia, da timidez ao erotismo, do cansaço à ferocidade, e Deborah François executa todas essas etapas com perfeição. Sua voz, seu corpo, seus dedos estão perfeitamente coordenados para dar maior realismo a uma personagem que poderia se limitar a uma caricatura. No final das contas, a jovem garota do cartaz, escondida atrás do patrão/namorado como se estivesse pedindo passagem, torna-se uma mulher “igual aos homens”, como ela desejava. Explorando com timidez e otimismo seu subtexto feminista, A Datilógrafa pode não ser um filme ousado, mas é certamente é bom exemplar do gênero.

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