Para início de conversa. Não se trata de um filme erótico ou pornográfico. Lars Von Trier é um dos diretores mais polêmicos e interessantes da atualidade, e desde que ele começou a falar sobre esse filme, muitas especulações vieram à tona, e criou-se uma expectativa errônea de que o filme seria um pornô de arte, com elenco de figuras hollywoodianas conhecidas em cenas de sexo explícito. Pois bem. Quem já viu algum filme do Lars Von Trier sabe como o cineasta gosta de provocar, e nesse filme ele mais uma vez traz à tona situações polêmicas para discutir a ambiguidade das pessoas e como o fator psicológico afeta o comportamento nas relações humanas. Esse filme, dividido em duas partes, participa da tal “Trilogia da Depressão” do cineasta, que inclui ainda os ótimos filmes Anticristo (chocante) e Melancolia, sendo que quem conhece um pouco da filmografia do diretor sabe que ninguém fala sobre depressão tão bem como ele, já que todos seus filmes são tristes, além dele ser responsável por um filme que é considerado por muitos (a mim inclusive) como o mais triste e deprimente da história, chamado Dançando no Escuro, com a cantora Bjork. Mas falando especificamente sobre esse seu novo filme, ele narra a história de Joe (Charlotte Gainsbourg em mais uma parceria com o diretor), uma mulher de seus 50 anos que é achada completamente machucada e desacordada no meio da rua por Seligman (Stellan Skarsgård, outro ator corriqueiro nas produções do cineasta), e que a partir daí, começa a contar sua história cheias de mistério e regada a sexo (afinal, ela é assumidamente ninfomaníaca) para esse homem desconhecido. Desta interessante premissa, se desenvolvem diálogos que não me pareceram tão inspirados como outrora na filmografia do diretor, mas que ainda assim demonstram muita habilidade em descrever casos extremamente complexos da psique humana. Os personagens são interessantes e intensos, e quem procura somente uma sucessão de cenas de sexo aleatórias, ficará certamente decepcionado com o filme. O sexo é parte intensa da vida de Joe, mas a narrativa é lenta e não tem nada de estimulante. Aqui, o sexo é tratado com culpa e/ou como algo meramente mecânico, sem emoção. As aventuras de Joe desde criança, principalmente na adolescência, onde é interpretada pela jovem Stacy Martin, são narradas com frieza perturbadora. O elenco é excelente. Embora Charlotte Gainsbourg e Stacy Martin tenham um ar calculadamente indiferente, o que me chamou a atenção mesmo foram os atores secundários. O Shia “Transformers” LaBeouf parece a vontade em seu difícil papel, e mostra que pode sim ser bom ator, quando bem dirigido. Christian Slater, outro ator que sempre me pareceu limitado, está também muito bem, principalmente no Capítulo 4 – Delírio, onde ele tem participação fundamental. Mas quem chama mesmo a atenção, com uma das personagens mais interessantes, e tragicamente engraçada, é Uma Thurman, que rouba suas cenas com sua performance excepcional de uma mulher traída. De resto, a parte técnica sempre impecável, e a sensação de desconforto já típicas de Von Trier. Um filme que visivelmente foi dilacerado devido aos anunciados cortes feitos, contra a vontade do diretor, mas que acaba de maneira a deixar uma amarga curiosidade de como será a continuação das histórias de vida de Joe. Se você não estiver querendo ver só um mero filme de sacanagem, e não se importar com o lento ritmo imposto, pode acabar gostando, pois o filme é um denso retrato de mais uma das marcantes mulheres criadas por Von Trier.