Blancanieves (no original espanhol), Branca de Neve para nós, brasileiros, é uma livre adaptação do conto dos irmãos Grimm pelo diretor Pablo Berger, a cuja história infantil ele deu uma aura ao mesmo tempo de fantasia e tragédia, ao ambientá-la na Espanha do início do século XX. Na verdade, dos elementos do famoso conto, no filme há somente uma maça envenenada, uma madrasta má e invejosa, e anões (6, no filme, e não 7). A história em si apresentada no filme é totalmente original, e foca bastante na relação entre pai e filha, algo que inexiste na versão oficial do conto. É bom lembrar que os clássicos contos de fadas como nós os conhecemos a partir do século XX foram influenciados pelas adaptações feitas para o cinema por Walt Disney, que adulterou bastante os originais, tornando-os deveras açucarados e "politicamente corretos" para as crianças. Afinal, a maioria das histórias de Hans Christian Andersen, por exemplo, são bastante cruéis e sem direito a final feliz.
Neste sentido, Branca de Neve se diferencia bastante das recentes adaptações Espelho, Espelho Meu e Branca de Neve e o Caçador, que, embora fugindo da versão clássica da história como a conhecemos, ainda mantém bastante do seu essencial. Além disso, o Branca de Neve de Pablo Berger foi concebido como um filme mudo e em preto & branco, ao estilo do recente O Artista, vencedor do Oscar em 2012. Mas Berger não pretendeu imitar a produção de Michel Hazanavicius, querendo pegar carona no sucesso saudosista. Berger penou 5 anos para conseguir produzir seu filme, que concebeu desde o início ao estilo dos filmes da época do cinema mudo. Foi apenas uma coincidência que seu filme foi lançado alguns meses após. Mas, de certa maneira, ele se beneficiou do fato de ter sido lançado após O Artista, que levantava dúvidas junto a produtores e exibidores se hoje um filme mudo e preto & branco encontraria espectadores. Bem, além de suas inúmeras premiações, que incluíram 5 Oscar e o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes, O Artista foi visto nos cinemas do Brasil por mais de 300.000 espectadores, e arrecadou mais de U$ 130 milhões ao redor do mundo, nada mal para um filme que custou a "bagatela" de U$ 15 milhões.
No entanto, Branca de Neve não se beneficiou do mesmo marketing poderoso que promoveu O Artista. Mas os elogios entusiasmados dentro e fora da Espanha, tem permitido ao filme rodar o mundo, e se beneficiar da propaganda boca-a-boca, feita pelo próprio público, que descobre encantado e emocionado as qualidades de um filme pouco divulgado pela mídia. Alguém chegou a comentar que o filme tem imagens tão belas que o público até esquece que ele é mudo e P&B. Na verdade o filme é mais que isso. Ele se beneficia daquelas raras combinações em que tudo deu certo. Direção, roteiro, fotografia, elenco, trilha sonora tudo funciona às mil maravilhas, num filme orquestrado e movido por uma paixão. É evidente em cada fotograma, em cada movimento de câmera que o filme foi feito com muito cuidado, carinho e atenção. Um filme feito com alma por alguém que realmente ama o cinema, e se utiliza brilhantemente de suas ferramentas, criando cenas inesquecíveis, como a tourada final, ou aquela que mostra rapidamente a transição da Carmencita criança para a Carmen adulta.
Talvez a maior qualidade de Branca de Neve seja o fato que apesar de ser um filme sem diálogos e filmado em preto & branco, e mesmo utilizando técnicas do passado do cinema, como as fusões de imagens, sua linguagem narrativa é absolutamente moderna. Branca de Neve é apenas o segundo longa-metragem de Pablo Berger. O cinema da Espanha, que recentemente passou a exportar talentos, como Alejandro Amenábar (Abra os Olhos, Os Outros) e J. A. Bayona (O Orfanato, O Impossível), parece que acaba de ganhar um novo nome para disputar o mercado internacional.