Quando você não espera nada de algo é fácil ser surpreendido. Você não se atenta aos erros e qualquer detalhe um pouco melhor torna-se uma grata surpresa, já que seus padrões estavam lá embaixo. Em Rush – No Limite da emoção, pelo contrário, eu esperava bastante. E saí extremamente impressionado e feliz com o que tinha acabado de presenciar.
Apesar do título meio sessão da tarde, Rush é um filme para Oscar. E não acho que estou exagerando. Tudo que a academia preza em um bom filme está lá: temática de época, história para grandes plateias dentro da realidade, excelentes atuações, diretor premiado. E se você não é fã de Formula 1, adianto logo: este é sim o seu filme. E se é fã, definitivamente este é o seu filme.
A história do filme é centrada na fantástica disputa entre Niki Lauda (Daniel Bruhl) e James Hunt (Chris Hemsworth). Narra desde o início dos dois na Fórmula 3 até chegar ao ápice, no campeonato de 1976 da Fórmula 1. O começo da história, aliás, já se mostra diferente de grande parte dos filmes, onde é mostrado o meio do filme (antes da corrida onde Lauda sofre seu acidente quase fatal) e não o final para então a narrativa partir começando a contar a história desde as primeiras corridas na F3. Infelizmente o filme tem apenas um pouco mais de duas horas de duração (digo infelizmente porque fica um gosto de quero mais duas horas de filme), porém todos os detalhes estão lá, tanto do mundo das corridas quanto da vida pessoal de cada um dos pilotos (o que é importantíssimo para entendermos bem a personalidade de cada um dentro das pistas). O único detalhe que pode causar um pouco de confusão é a cronologia dos fatos após a entrada dos pilotos na Formula 1. Não fica claro que Lauda já tinha sido campeão em 1975 pela Ferrari e os mais desavisados podem ficar pensando que o começo do campeonato de 1976 ainda é uma continuação do de 1975 e que após o acidente de Lauda recomeça-se outro campeonato. Enfim, eu me senti confuso nessa parte, mas nada, nada mesmo, que comprometa o filme.
A beleza do filme está na rivalidade entre os dois pilotos. Tão diferentes e tão parecidos. Você começa pensando que ambos são completamente antagônicos, mas durante o filme acontecem fatos que te deixam pensando que não eram tão diferentes assim. Niki Lauda é o austríaco metódico, calculista, vindo de uma família de figurões e que resolve ir contra o que o pai quer para seguir o que considera ser sua única vocação: pilotar. Impossível não se apaixonar por ele. A confiança do cara é absurda. Arrisca todo dinheiro que não tem para entrar na Formula 1, porém o faz com todo um conhecimento técnico por trás. Ele conhece tudo de carros, conhece todo o processo envolvido com a Fórmula 1. Algo como Piquet para nós, brasileiros: ele que mexia e ajustava tudo. Ele era o melhor nisso e não fazia questão de esconder que sabia que era o melhor, passando por cima de qualquer coisa para ser campeão mundial, menos da segurança dentro das pistas. James Hunt, por outro lado, era o popstar. Vivia e guiava pela emoção, pelo instinto. Extremamente confiante, queria aproveitar tudo o que a vida tinha para oferecer. Bonitão, era visto constantemente com diversas mulheres em festas à base de bebidas, cigarros e drogas. Era o George Best do automobilismo. A emoção era seu combustível. O vômito de ansiedade antes das corridas era o sinal que ele estava preparado e excitado para o que estava por vir. E engana-se quem pensa que o personagem é retratado de forma superficial.
A cena em que ele toma um pé na bunda da sua primeira mulher é emblemática, com ele saindo do restaurante sorridente fazendo piada da situação com os jornalistas para depois e se afogar na bebida.
Perfeito por fora e danificado por dentro.
As escolhas dos atores não poderiam ser melhores. É incrível a semelhança física de Daniel Bruhl com Niki Lauda e de Chris Hemsworth com James Hunt. Sou fã de Daniel desde “Adeus, Lenin!”, agora serei mais ainda. E Hemsworth, para mim, não será mais Thor, será James Hunt. A fotografia de Rush é belíssima. As cenas na Itália, na Alemanha e a última corrida no Japão aos pés do Monte Fuji são para ficar admirando por horas. As filmagens também são sensacionais, dando aquela impressão que foram feitas mesmo na década de 70. Uma tomada durante o GP de Mônaco de dentro do carro nos passa toda a sensação de aflição e fragilidade que deveria ser pilotar um carro de Fórmula 1 naquela época. E a famosa cena do acidente de Niki Lauda dispensa comentários. O diretor Ron Roward não quis usar as cenas reais e refilmou tudo nos mínimos detalhes, sendo até possível uma comparação com a cena real que aparece no televisor visto pela mulher de Lauda. Perfeito! Roward, aliás, mostra o grande diretor que é. O filme, por ser baseado em fatos reais, não deveria apresentar grandes reviravoltas, pois teoricamente já sabemos tudo o que vai acontecer. Mesmo assim o espectador fica vidrado, vibrando, torcendo e sofrendo durante todo o filme. E por ultimo, a parte de som. O compositor Hans Zimmer mais uma vez realiza um trabalho primoroso com a trilha sonora. As músicas tocadas durante as corridas lembram as de Super Monaco GP do Mega Drive ou de Top Gear do Super Nintendo. Sensacional! E os efeitos sonoros vão deixar os amantes de carros realizados. O ronco dos motores, os pneus cantando, está tudo lá perfeitamente reproduzido.
Detalhes técnicos à parte, é lindo ver a disputa entre Lauda e Hunt. Pessoas tão diferentes e que se completam tão bem. Um é motivação para o outro seguir em frente, seja na entrada de James na Formula 1, seja na luta pela sobrevivência de Niki após o acidente em Nurburgring . Era uma época diferente do esporte, meio que politicamente incorreta, com pilotos que fugiam do padrão de atleta e que não fugiam de uma polêmica. Disputas individuais sempre existiram. Os brasileiros se recordarão de Senna e Prost ou Senna e Mansel. Mas a rivalidade entre Lauda e Hunt sempre será imbatível. A emoção é intensa durante todo o filme. Pode parecer que Niki Lauda é mais explorado durante o filme, mas é apenas impressão. Um completa o outro, um depende do outro, como fica bem claro na conversa no hangar entre os dois. Seriam grandes pilotos se o outro não existisse? Claro. Mas não seriam tão grandes como foram, disso eu tenho certeza.
Após o acidente e todo o sofrimento passado pelo piloto austríaco esse sentimento de amizade entre os dois fica mais forte.
O telespectador não quer que Lauda vença, pois não existe um certo ou um errado ali. O telespectador torce por ambos, torce por aquela disputa e para que continuem daquele jeito, um superando o outro sempre. Magnífico!
As frases de efeito também dão uma emoção ainda maior ao filme. É impagável ver Hunt falar que o sexo é o café da manhã dos campeões e extremamente motivante o ver responder, ao ser indagado se estaria pronto para correr na F1, que estava pronto para aquilo durante todo vida dele. É extremamente divertido e gratificante ver o “matemático” Lauda usando toda hora os “20% de chances de morrer em uma pista, nem mais nem menos” ou explicando a Hunt que o estilo arrojado do adversário pode ganhar uma ou duas corridas, mas que a longo prazo não seria uma estratégia feliz. E emocionante presenciar Niki dizer para James que o rival estava pronto para morrer em Tokio e que aquilo para ele era perder.
Por último vale uma menção aos créditos finais do filme, onde
Niki Lauda, o próprio, descreve sua relação com James Hunt, morto por um ataque no coração em 1993
. Faltam palavras para descrever tal momento do filme e lágrimas cairão dos seus olhos, não precisa se envergonhar. É algo para ser visto e revisto. Não à toa o filme emocionou Ecclestone e Fittipaldi, figuras importantes da Fórmula 1 na época e que presenciaram tudo. Definitivamente, quem não é fã da F1 vai querer conhecer um pouquinho mais sobre o esporte.
O empresário de Hunt no começo do file diz que homens gostam de mulheres, mas gostam mais ainda gostam de carros. Não sou fã de carros, mas virei um grande fã do filme. E se você está em dúvida se deve assistir Rush devido à temática automobilística, vá sem medo: é um filme para amantes da Formula 1 e é um filme para amantes de grandes histórias.